Um debate enganador

A certa altura do debate (Pedro Passos Coelho – António Costa, televisões, 9 de Setembro), o jornalista João Adelino Faria (que no extinto semanário “O Jornal”, por onde começou, demonstrou ter mais “look” do que cérebro) fez ao primeiro-ministro uma pergunta sobre o Serviço Nacional de Saúde em que afirmou: “Saem [de Portugal] enfermeiros todos os dias.”
Judite de Sousa insistiu com Passos Coelho para que se pronunciasse sobre os candidatos presidenciais do PSD à luz de uma moção aprovada por este partido que foi entendida como muito crítica para com Marcelo Rebelo de Sousa. Judite de Sousa é amiga íntima de Marcelo Rebelo de Sousa que, logo a abrir e como quem marca terreno, afirmou (na TVI) que António Costa tinha estado “melhor”.
A votação (?) on line na TVI sobre quem venceu o debate parecia clara: Costa tinha 69 por cento dos “votos” e Passos Coelho 31 por cento. Cada pessoa só poderia votar uma vez. Mas cada votante que escondesse a sua origem (o Windows tem a Navegação InPrivate, que o permite) podia votar mais vezes. Eu votei dez vezes, nessa altura. Não devia ser o único mas o certo é que, minutos depois, a relação alterava-se: 68 para um, 32 para o outro. Podia ter continuado a votar a noite toda.

O primeiro-ministro e o guerrilheiro

O debate (e melhor seria chamar-lhe entrevistas cruzadas, apesar de como entrevista o modelo deixar muito a desejar) deixou uma impressão geral favorável a Costa e desfavorável relativamente a Passos Coelho. Este queria justificar-se e apresentar propostas. O primeiro quis fazer o que não se esperava: atacar. 
Em termos militares, Costa optou pela guerra de guerrilha, por um toca-e-foge no campo de batalha que é típico dos exércitos mais fracos mas melhor organizados. Passos Coelho era o general à espera de mandar avançar as suas legiões para um combate formal. Mas não chegou a ter tempo para isso.
Só que a tradução política da guerrilha de Costa (e do PS, que Mário Soares andou conjunturalmente a unir, como mediador entre Costa e Sócrates) tem mais a ver com a extrema-esquerda que, percebendo que nunca chegará a um governo de uma democracia em circunstâncias normais, ataca mais do que propõe.
É por isso que o resultado do debate, que foi apenas uma batalha numa guerra mais prolongada, se ficou por uma espécie de “impressão”. 
À superfície, Costa “ganhou” e Passos Coelho “perdeu”. Mas, passadas as primeiras impressões, o que fica é diferente: Costa atirou generalidades como quem atira granadas e Passos Coelho tentou explicar as suas opções. Entre tentar defender-se e tentar explicar, vacilou. Teria sido melhor ao ataque? Sem a menor dúvida e que o sabe fazer, e bem, tem-se visto no Parlamento. Mas de um primeiro-ministro esperar-se algo como “o ataque é a melhor defesa”? Não.
O debate não estaria armadilhado para favorecer Costa e prejudicar Passos Coelho mas essa foi também a impressão que ficou. 

Uma questão de tesão

Os três entrevistadores (e o caso mais lamentável foi o de Faria) não se prepararam a rigor. 
No caso dos enfermeiros, se Passos Coelho tivesse perguntado a Faria quais os números de que dispunha quanto à “saída” dos enfermeiros, o entrevistador não lhe teria conseguido responder, como depois se viu quando, corrigindo o passo em falso, já não fez a mesma pergunta a Costa. Além disso, a drástica limitação temporal das respostas (que, aliás, Passos Coelho conseguiu por vezes furar) não favorecia explicações. Favorecia, sim, a guerrilha.
Por muito extraordinária que parecesse ser a união das três televisões (que, não o esqueçamos, não são tão concorrenciais como isso e comem à mesma mesa), o resultado dificilmente poderia ser outro. 
A política (sobretudo no que se refere ao despique entre os dois únicos partidos que estão em condições de liderar um governo num país ainda em crise) é demasiado séria para ser transformada num simples “show” de vaidades. E há que dizê-lo, mesmo retrospectivamente e sem querermos “matar o mensageiro” nem atribuir-lhes culpas por aquilo que de que não gostámos.
O debate foi decisivo para os resultados de 4 de Outubro? Duvido. 
Com 23 dias de campanha pela frente, a conclusão (desculpe o leitor a ligeireza da expressão) é só esta: a coligação PSD/CDS e os seus apoiantes ficaram de monco caído e pouco excitados; o PS e o “casal” temporário Costa-Sócrates ficaram cheios de tesão. A primeira condição ultrapassa-se. A segunda esgota-se e, às vezes, mais cedo que é desejável. 

Costa Cardoso

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