Carlos Alexandre: Hagiografia ou assassinato de carácter?

Rui Verde
A revista Visão de 10 Setembro de 2015 trazia uma ampla reportagem sobre o juiz Carlos Alexandre (p.32 e ss.). Na sua superfície era uma hagiografia, que preparava o terreno para o lançamento deste juiz na vida política. Alexandre é descrito como o homem modesto, o sacerdote da justiça, com desprezo das coisas terrenas, que corta a direito e enfrenta os poderosos. Não existe pedigree melhor para o lançamento na política, neste tempo em que a visão que existe acerca dos políticos oscila entre serem corruptos ou mentirosos, ou ambas as coisas.
Não é negativo pensar numa carreira política para Alexandre, é razoavelmente novo, criou um nome e uma fama, mas atrasou-se na carreira judicial. Os seus colegas de curso há muito tempo já estão na Relação, quando não no Supremo. Portanto, será lógico que depois do desgaste no chamado Ticão, desemboque directamente na política como fez Di Pietro em Itália ou tentou fazer Gárzon em Espanha, ou Jolly em França.
E nessa medida o artigo da Visão cumpria o seu papel.
O que se estranhou foi uma espécie de sub-texto (ou narrativa escondida) que surge a um segundo nível da reportagem. Cite-se para evitar mal-entendidos: “A família (de Alexandre) viverá privações e humilhações que deixarão Carlos Alexandre com “lágrimas de sangue” embargadas até aos dias de hoje”; ”a estratificação social colocara-o na contracapa da história”; “A família será ainda sujeita a enxovalhos e destemperos do autoritário Anastácio Lalanda”, “Enquanto de olhos marejados (Alexandre), via os filhos dos talhantes, dos médicos, dos industriais, todos com carro à porta e trajando blusões de cabedal que ele invejava; a esbanjarem o dinheiro das bolsas em jantares na Baixa, raparigas e noitadas no Jamaica”. E mais se poderia citar neste quadro em que nos é apresentado um jovem adolescente traumatizado pelas humilhações que os ricos e poderosos o fizeram sofrer e à sua família, que engoliu a sua raiva contra os que têm “cavalos e quintas” e agora numa espécie de revanchismo psicanalítico esmaga esses mesmos ricos e poderosos.
O Alexandre que aqui aparece é pois um homem que passou uma infância recalcada e frustrada em que desenvolveu sentimentos de inveja e raiva face àqueles que identifica como ricos e poderosos, e que agora movido por essas pulsões internas se encarrega de modificar o mundo e corrigir essas injustiças que permaneceram indelevelmente vincadas no seu inconsciente.
Isto é psicologia barata, mas é a mensagem mais forte que resulta do texto da Visão: a hipocrisia, o revanchismo, o julgamento assente em preconceitos e pré-compreensões.
Para variar, todos fingiram que não repararam… 

Comentários

Mensagens populares deste blogue

O porco com asas

Maria José Morgado. As coincidências no Expresso de 13 de Agosto.

Os patos na Justiça