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O fim do jornalismo português (6)

Há alguns meses ficou a saber-se que havia políticos a viajarem (e presume-se que não só) a viajar à conta de empresas. Há alguns meses também, o “Expresso” anunciou que havia muita gente (da política, do jornalismo, das empresas…) a receber algo que se parecia com avenças de valor irregular por parte do Grupo Espirito Santo. Apareceram alguns nomes citados. Mas nenhum deles era jornalista. E, no entanto, sabe-se (e houve uma fotografia tirada na neve, com esquis, que circulou pelas redes sociais) que os jornalistas nunca deixaram de viajar por conta das empresas. Carros, vinhos, operações empresariais e governamentais no estrangeiro, conferências de imprensa, lançamento de filmes (e até já de séries de televisão), as vacinas contra a gripe são, por exemplo, algumas das situações em que, para garantir a presença (obviamente amável) da imprensa, as empresas e/ou as agências de comunicação oferecem viagem, estadia, refeições e até “gadgets”. Poderá considerar-se, nestes casos e no

O fim do jornalismo português (5)

O que é se soube antes, em processos de tanta complexidade e tão grande impacto público como os que envolvem (e têm por arguidos) o ex-primeiro-ministro José Sócrates e o antigo banqueiro Ricardo Salgado? Do segundo praticamente nada. Do primeiro houve o “caso Freeport” e o “caso da licenciatura”. No “caso Freeport” poucos foram os órgãos de comunicação social que se lhe referiram, o visado disse que era uma “campanha negra” e os amigos silenciaram os que pugnavam pela investigação jornalística. O “caso da licenciatura”, recorde-se, foi exaustivamente tratado por um bloguista e a imprensa só tarde entrou em cena, e de forma timorata. Depois, os luxos do ex-primeiro-ministro quase só mereceram a atenção do “Correio da Manhã”. A prisão preventiva do ex-primeiro-ministro e o desenrolar natural do processo levou a uma catadupa de informações que permitiram reconstituir uma situação, ou um conjunto delas, todas por sinal bastante duvidosas em termos legais. Mas o que veio a público dev

O fim do jornalismo português (4)

“Festivais atraem cada vez mais pessoas”, “Há cada vez mais pessoas a fazer testes de cancro”, “Seja cabrito, peru ou bacalhau, há cada vez mais portugueses a encomendar fora a comida para as festas”, “Há cada vez menos crianças a frequentar a educação pré-escolar”, “Doenças respiratrórias estão a matar cada vez mais portugueses”, “Vendem-se cada vez mais casas em planta”, “Há cada vez mais portugueses em séries de culto”, “Jovens lusos saem de casa dos pais cada vez mais tarde”, “’Youtubers’ portugueses fazem cada vez mais dinheiro”, “Portugueses casam cada vez mais à semana”, “Turistas gastam cada vez mais dinheiro em Portugal”, “Interior atrai cada vez mais estrangeiros”, “Exportamos cada vez mais roupa e calçado falsificados”, “Famílias com dificuldades com casas para estudantes cada vez mais caras”, “Há cada vez mais carros abandonados na via pública”, “Portugueses aderem cada vez mais à moda das hortas urbanas”, “Avós trabalham cada vez até mais tarde”, “Cada vez menos bebés nas

O fim do jornalismo português (3)

Em 19 de Fevereiro de 2018, o “Diário de Notícias” garantia que “Portugal quer entrar no roteiro de grandes produções de Hollywood” e contava que uma missão estatal andava por Los Angeles a tentar convencer produtores americanos a filmarem em Portugal, oferecendo qualquer tipo de prémio monetário, 300 dias de sol por ano e mais qualquer coisa.  Para o jornal e para quem assinava a notícia, parecia ser algo de extraordinário. Decerto que só para os visitantes que foram a Los Angeles aproveitar a viagem porque o resultado deve ser tão espectacular como o das várias iniciativas do género que houve em, pelo menos, 25 anos. O padrão tem sido sempre este: o País oferece sol e mar e os míticos americanos de Hollywood vêm para cá filmar. Pelo meio há uns americanos que se metem no negócio e que são sempre grandes produtores de origem portuguesa. Alguns presidentes de câmara oferecem “cidades do cinema” (Cascais e Loulé) e o resultado também dá inquéritos no DIAP e arguidos.  A situação

O fim do jornalismo português(2)

Numa zona central da cidade de Caldas da Rainha, capital do concelho com a mesma designação onde moro, existe uma loja que é um misto de papelaria/tabacaria/livraria, de escolhas criteriosas e pessoas simpáticas. É aí que compro regularmente algumas revistas (cinema, inglesas, e de vinhos, portuguesas) e os jornais ao sábado.  As publicações estão bem arrumadas e há uma particularidade significativa: os jornais (diários e semanários) estão num canto dispostos num escaparate à altura do tornoze e quem quiser ver-lhes as primeiras páginas tem de curvar-se. Ao contrário, as revistas “sociais” e de televisão (também “sociais”) estão na linha de visão de uma pessoa de estatura média, mesmo à direita da caixa e no que pode ser considerada a zona nobre da loja. Numa banca de rua, a poucos metros, onde o espaço está mais condicionado, os jornais do dia nem se vêem a um primeiro relance. Mas as revistas, “sociais” e outras, lá estão, bem à vista. O computador pessoal que uso, com o sis

O fim do jornalismo português (1)

Acredita, leitor, que o jornalismo e os jornais têm futuro, em Portugal? Se sim, peço-lhe que se dedique a um pequeno exercício, comodamente, no seu computador, hoje, amanhã, talvez durante dois ou três dias. Vá ao site Sapo24 (http://24.sapo.pt/jornais). Encontrará aí as primeiras páginas dos jornais diários (e semanários) portugueses, dito generalistas, com uma actualização diária (normalmente mesmo ao princípio da manhã). Esta exposição diária dos cinco matutinos que se publicam em Portugal (as que se juntam os semanários e as revistas também generalistas nos seus dias de saída) funciona como uma banca de jornais. Acredito que já poucas devam existir e acredito ainda mais que, onde existem, o que predomina são as revistas.  Mas era assim em Lisboa, com os jornais bem à vista. As televisões talvez desenvolvessem algumas das notícias das primeiras páginas e as rádios também. Quem queria saber mais, comprava o jornal, ou jornais. Nunca foram caros, verdadeiramente. Vá ao Sapo24,

Os patos na Justiça

Anuncia-se com a alegria dos pacóvios um pacto da justiça, saído de uma tal Cimeira da Justiça, realizada em Tróia, e assinado pelos vários sectores da Justiça (magistrados, advogados, juízes, funcionários judiciais). Não se sabe se os partidos políticos deram, ou vão dar, cobertura consensual a tal pacto, mas imagina-se que sim. Há que dizer claramente: há que ser contra pactos de Justiça que colocam todos de acordo. A Justiça é por definição adversarial. Os vários actores têm que ter perspectivas diferentes. Se todos estão de acordo, algo de preocupante se passa. É evidente que a Justiça portuguesa tem dois problemas essenciais: o da celeridade e o da executabilidade. Mas esses problemas têm uma solução muito simples, o reforço efectivo e nova gestão da Justiça e a simplificação legislativa. Ambas estão nas mãos do poder legislativo e executivo e da maioria que os sustenta, seja hoje, seja ontem, seja amanhã. Contudo, esses mesmos problemas não precisam de qualquer pacto, at