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A mostrar mensagens de fevereiro, 2017

Extinguir os Decretos-Lei

Em rigor, os governos não deviam fazer leis. Apenas executar as leis feitas pelo parlamento. A isto se chama separação de poderes e é visto como uma forma de evitar a tirania.  A realidade em Portugal, de forma muito acentuada, mas noutros países também, é que os governos têm inventado maneiras de fazer leis, e se tornarem uma espécie de ditadores democráticos.  Debrucemo-nos sobre o caso português. Como Gomes Canotilho nota, nenhuma das Constituições monárquicas portuguesas admitiu a emanação pelo executivo de actos normativos com a forma de lei- os Decretos-Lei. Embora também reconheça que a verdade real não corresponderia à verdade constitucional, uma vez que os períodos ditatoriais aconteciam com alguma frequência, e aí o governo legislava. No entanto, era a essa tomada de poderes legislativos pelo executivo que se chamava ditadura nos tempos da monarquia.  A Constituição de 1911 já dava alguma margem ao exercício de funções legislativas pelo executivo, mas sempre com autori

A CGD e o Estado de Direito

Há uns anos, o Tribunal Constitucional inventou um chamado princípio da confiança que estaria subjacente ao princípio do Estado de Direito para justificar o "chumbo" de determinada legislação. O que mais estranhou era que esse princípio da confiança não constava em lado algum do texto constitucional. Era uma pura elaboração doutrinária. Mas ficámos todos descansados porque acreditámos que o Tribunal Constitucional e as instituições soberanas portuguesas não encaravam o princípio do Estado de Direito de forma leviana. Pelo contrário, levavam a sua concretização até ao limite. Por isso, é com surpresa que se tem assistido à discussão à volta das exigências do putativo futuro Presidente da CGD acerca das apresentações de rendimentos. Uns tem menorizado o assunto, chamando-o "trica", outros têm-no usado com o propósito quase exclusivo de levar ao ministro das Finanças à demissão. Na realidade, a situação é mais grave e merecia uma diferente atenção e reflexão.

Os 2,1% de déficit e a tristeza dos arautos

Este fim-de-semana foi pródigo em artigos e articuletas com a mesma mensagem: " Então, o governo alcança um valor magnífico no déficit orçamental e ninguém liga nenhuma! Só se preocupam com os SMSs do Domingos. Que injustiça!" De facto, os articulistas têm razão. Não há júbilo, não há alegria com o número do déficit. Na realidade, ninguém liga nenhuma. E não se liga porque não se acredita. E vê-se perfeitamente que uma economia quase parada não tem capacidade de gerar equilíbrios orçamentais. Portanto, este déficit não representa nada,de momento.  As pessoas já viram este filme com Sócrates (ainda agora Cavaco relembrou). Havia sempre boas notícias. E lá todos iam escrever elogios e panegíricos a Sócrates. Um dos que se esmerou ao tempo foi o presente ministro da Economia Caldeira Cabral. No fim, foi tudo uma mentira pegada.  E são os mesmos que elogiavam Sócrates que agora elogiam Centeno e se incomodam com a falta de devoção ao déficit. Não aprenderam nada... A e

O triunfo dos burros?

Lê-se, relê-se, e não se acredita. Aquelas almas que ocuparam o Ministério da Educação querem realizar mais uma reforma educativa. Para quê? Este ano saíram os resultados do PISA, e uma das principais conclusões desses resultados era que Portugal estava no caminho certo. Se está no caminho certo, para quê mudar? Algum exercício de onanismo intelectual? Como se não bastasse, a reforma anunciada pretende cortar horas em Matemática e Português, e aumentar em Ciências Sociais. Comecemos por este disparate imenso. Desde, pelo menos 2002/2003 que a grande "luta" dos interessados em assuntos de educação em Portugal foi reforçar o ensino das competências básicas,como escrever e contar, que se aproximavam do grau zero. Para tal foi reforçado e muito bem o ensino do Português e da Matemática. Só sabendo escrever, contar e raciocinar é que se pode ir mais além. O ensino devia-se concentrar em aspectos básicos e essenciais. Este caminho estava certíssimo. Agora, querem-nos introduzi

Raivosos, de esquerda e contentinhos com a mentira

A queda do Muro de Berlim, em 1989, foi um trauma.  Nenhum comunista escapou ileso à fuga em massa dos alemães da ex-República Democrática Alemã do seu país e dos muitos outros que se lhes juntaram: então já não queriam lá estar?! Uns terão regressado, outros não, os regime do “socialismo real” foram caindo como pedras de dominó e o que hoje resta é uma Rússia com alguns Estados agregados, que tem mais a ver com a Rússia czarista do que com o centro da extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Em Portugal, alguns comunistas foram-se afastando do PCP. Outros ficaram. O discurso da direcção do PCP foi unânime: era tudo uma fabricação, fazia tudo parte de uma “campanha”. Só lhes faltou dizer que o Muro de Berlim não tinha caído e que as imagens da fuga do Leste eram uma invenção. Os comunistas que ficaram no partido aceitaram a ideia. Sentiram-se, decerto, mais confiantes: ainda era possível acreditar na Terra Prometida. O que fazia as normas da fé era o “Avante!”. E no

Déficit e Banca.Que arrumação?

Diz-se que Centeno é demasiado valioso para ser deixado cair por causa da trapalhice da CGD, uma vez que tem operado milagres na economia portuguesa, designadamente baixou o déficit orçamental para mínimos históricos e "arrumou" a banca (o que quer que isso seja...). Quanto a Centeno sair ou não por causa da trapalhice da CGD, a resposta é simples: devia sair por ter negociado um acordo ilegal e depois ter ido mudar a lei. Era um exemplo de sanidade democrática e respeito pelo Estado de Direito.  Contudo, mais importante de analisar são os alegados "milagres" de Centeno.  Quanto ao déficit estamos a assistira mais uma mistificação. A realidade é que as necessidades de dinheiro do Estado Português continuam elevadas e muito superiores às receitas. O desequilíbrio financeiro permanece, e de forma agravada. Se hoje o déficit baixa (nominalmente) é porque a dívida aumenta, ou o investimento pára. Se porventura se quiser relançar o investimento, o déficit so

As aldrabices em curso

Esta história da CGD é clarinha e cheira mal. Mas o mentiroso não é Centeno. Centeno foi ingénuo e desrespeitador do Estado de Direito, mas viu-se metido numa embrulhada para defender o líder. Comecemos por elencar os factos evidentes: 1-Domingues colocou condições a Centeno para ocupar a Presidência da CGD. Entre essas condições estava a dispensa da entrega da declaração de património e rendimentos ao Tribunal Constitucional. Obviamente, Centeno aceitou.  Aceitou mal, porque fez um acordo contra lei expressa. 2-A solução face à ilegalidade do acordo Centeno-Domingues foi...mudar a lei. Este acto é uma violação gritante do Estado de Direito. Era aqui que o Presidente da República deveria interferir. Não se mudam leis a pedido. Na ditadura salazarista, conta-se que determinado ministro dizia que a lei estava na ponta da sua caneta. Saímos da ditadura, e a lei continua na ponta da caneta dos ministros? Ou pior, dos advogados de interesses privados?  3- Quem mudou a l

A alternativa à austeridade não é esta palhaçada

Se é um facto que a política pura de austeridade seguida por Passos Coelho estava errada, pois a austeridade é apenas uma parte de uma política mais ampla quando os países se encontram numa crise financeira, a verdade é que esta "coisa" que se segue agora a que se chamou "virar a página da austeridade" é apenas um mini-estímulo keynesiano acompanhado de muito marketing, e está a tornar-se uma palhaçada, que mais uma vez vai deixar o país sem rumo. Na verdade, a crise de 2011 exigia uma desalavancagem da economia, e foi esta que acabou por falhar. Expliquemo-nos: Um desalavancagem pode ser “bonita” ou “feia”.Quando é “feia” causa grandes dificuldades económicas, revoltas sociais, por vezes revoluções ou guerras, quando é bonita” nada disso acontece. Tradicionalmente, um processo de desalavancagem tem duas fases: 1) Redução do débito (default e reestruturação) ou  Austeridade 2) Monetização dos débitos. As desalavancagens “bonitas” equilibram as duas fases,