O fim do jornalismo português (4)

“Festivais atraem cada vez mais pessoas”, “Há cada vez mais pessoas a fazer testes de cancro”, “Seja cabrito, peru ou bacalhau, há cada vez mais portugueses a encomendar fora a comida para as festas”, “Há cada vez menos crianças a frequentar a educação pré-escolar”, “Doenças respiratrórias estão a matar cada vez mais portugueses”, “Vendem-se cada vez mais casas em planta”, “Há cada vez mais portugueses em séries de culto”, “Jovens lusos saem de casa dos pais cada vez mais tarde”, “’Youtubers’ portugueses fazem cada vez mais dinheiro”, “Portugueses casam cada vez mais à semana”, “Turistas gastam cada vez mais dinheiro em Portugal”, “Interior atrai cada vez mais estrangeiros”, “Exportamos cada vez mais roupa e calçado falsificados”, “Famílias com dificuldades com casas para estudantes cada vez mais caras”, “Há cada vez mais carros abandonados na via pública”, “Portugueses aderem cada vez mais à moda das hortas urbanas”, “Avós trabalham cada vez até mais tarde”, “Cada vez menos bebés nascem ao domingo”, “Há cada vez menos crimes no Porto mas mais carteiristas”, “Cada vez mais portugueses fazem férias no estrangeiro”… Chega?
Estes títulos são, todos eles, títulos de primeira página, e alguns deles são manchete (o título principal da primeira página) da generalidade dos jornais portugueses durante dois ou três meses. 
O jornalismo do “cada vez mais”, que ombreia com o das estatísticas (todos os dias acontece um número fixo de coisas…), tornou-se um dos exemplos mais tristes da imprensa nacional. Volte atrás, leitor, e passe novamente por este amontoado de títulos. Leia-os com dois, três ou quatro pontos de exclamação e é como se ouvisse uma berraria: todos os dias, cada vez mais, cada vez mais, cada vez mais… Onde é que vai parar? O alarme é total.
Noutros tempos, qualquer uma destas situações de base estatística que tivesse tratamento jornalístico seria ilustrada por um relato individual, por uma reportagem, por um pormenor, por uma síntese substancial, talvez por um comentário. 
Não é o que acontece. O que está nos jornais é isto. Quem mais recorre a este tipo peculiar de jornalismo é o “Jornal de Notícias”. A seguir é o “Diário de Notícias”. O “Público” também não falha, periodicamente. O sacrossanto “Expresso” é a mesma coisa. E não deixa de ser curioso que o “Correio da Manhã” (tão criticado pelo seu “sensacionalismo”) seja o que menos recorre ao berreiro do “cada vez mais”. É, no entanto, o que de todos vende maior número de exemplares.
Os outros, por mais títulos berrados que tenham, não lhe chegam aos calcanhares.

Pedro Garcia Rosado

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