TELEFONEMAS

Já começaram os telefonemas. “Bom Natal!.. Já compraste o bacalhau?” Não, mas, também não comprarei; ando com outros apetites; apetece-me uma boa jardineira e se estou com saque entretenho-me com um bom queijo saloio… Os meus amigos quando me ouvem, ficam um bocado vidrados, mas, como são educados – algum estudou num colégio na Suíça – arrepiam caminho; esquecem a clássica expressão: “tás marado“ e elogiam a minha capacidade para a diferença. Como, ultimamente, as pessoas andam entre dilemas e problemas de personalidade pela questão do BES e pelo arquivo dos processos dos submarinos; aproveito e meto sempre uma cunha para saber como respiram. Um amigo é economista não estudou na Suíça, mas, passou uns anos em Coimbra e quando lhe dizem BES começa aos berros; insurge-se. Exclama: “este País é sempre o mesmo! Acabaram com o único Banco ligado à economia produtiva! Aqui só se salvam os caixeiros-viajantes da roubalheira dos submarinos!..” Como é natural, calo-me e escuto. No entanto, a meio da tarde quando estou à acordar da sesta, chega outro telefonema. As primeiras palavras repetem-se e a minha resposta também. O que varia, alguma vez, é a cunha que meto. E hoje recebi um telefonema de uma amiga que costuma passar o Natal na Madeira, mas, este ano diz que não está para isso. Está farta do Jardim. Durante o Abril de 74 era maoista e agora, como o Durão Barroso, é do PSD. Falei-lhe no BES e no Ricardo Salgado. Fez um silêncio. Depois respondeu-me com uma pergunta seca: “ouviste o Ricciardi?”. Respondi negativamente, mas, que ouvira os comentários da merceeira onde compro as batatas e os cogumelos. E não fiz mais comentários. Despediu-se afetuosamente e desejamo-nos Bom Natal.
Os telefonemas de Natal costumam acabar sempre com muitos beijinhos e muitos abraços além de enviar, também, um Bom Natal para a restante família que se desconhece ou que não interessa. E o pior dos telefonemas desse género aconteceu cinco minutos antes de me sentar a escrever esta crónica. Telefonou-me o meu amigo que estudou na Suíça. Conhecemo-nos há bastante mais anos que o Ricciardi conhece o Passos Coelho. Ele pertence à esquerda clássica e eu não. Ele usa gravata e eu também não. Ele tem opinião sobre tudo o que acontece no mundo e eu também. Não nos suportamos quando entramos em dialéticas. Falei-lhe no BES. Respondeu com a clássica expressão:” nunca deveriam ter voltado para Portugal; hoje não teríamos problemas; não estaríamos metidos na CEE e pobres ou ricos, sempre teríamos para o bacalhau…” como estamos no Natal, assenti, mas, recordei-lhe que Paris é sempre Paris…
Como restam muitos dias de telefonemas e depois da noite da consoada os atrasados começam pelo “desculpa não ter telefonado antes…” atacarei e começarei a telefonar. Não iniciarei nem pelo bacalhau, nem pelo Bom Natal. Usarei umas palavrinhas como se tratasse de um cartão-de-visita e muito para o fim da conversa, quando não me interesse, desejarei Bom Natal. Serei lacónico e direto:” Então pá: parece-te mais grave o arquivo do caso dos submarinos ou o colapso do BES? Pensas que a Ferreira Leite tem estaleca para a Presidência da República?..”

José Luís Montero

Comentários

  1. Desde os primórdios, q os baptisados de Lusitanos, dirigem culpas para terceiros. Começaram, por os culpados serem os galegos do norte, depois os mouros, os leoneses, castelhanos, os infiéis , os judeus, jesuítas, absolutistas, liberais, monárquicos, republicanos, maçonaria , integralistas, salazaristas, alemães, comunistas, militares de abril, reaccionários, corruptos, e talvez o Jesus, pelo menos para portistas e sportinguistas. Urge derrubar o muro das lamentações, fruto da herança judaico cristã, e deitar as mãos ao trabalho, em vez de providenciar para quem nos governe.

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