Os outros

Pedro Garcia Rosado

Até pode ser que não haja uma explicação científica para o fenómeno, coisa que é sempre boa para tranquilizar os espíritos, mas tem sido uma regra da política portuguesa que os projectos políticos alternativos nunca triunfam. Pelo contrário: acabam por afundar-se (o verbo é reflexivo…) em buracos negros políticos muitas vezes ignominiosos.
Alguém se lembra do MES, da ASDI, do PRD, dos movimentos a que Maria de Lurdes Pintasilgo e Ramalho Eanes deram alento e de tantos outros? E estarão lembrados de que se dissolveram, fecharam ou se integraram nos partidos já existentes?
O único caso de êxito, mas relativo, há de ter sido o BE que, inspirado pela estratégia frentista de alguns trotskistas, só se aguentou pela utilização dos métodos estalinistas que sobreviveram na UDP. UDP essa que, chegando a ter um deputado, quase se dissolveu na aliança com os trotskistas, tentando ambos unir o que uma pequena picareta desuniu em 1949.
As situações de crise ou politicamente mais animadas (como a actual, com duas eleições fundamentais em menos de meio ano) são mais propícias ao aparecimento destes fenómenos. E os exemplos internacionais também ajudam. Isto e as ambições pessoais (eu quero ser deputado/ministro/Presidente da República) convergem num caldo de cultura que – eis uma hipótese – até podem ajudar, pela soma de fracassos, a suavizar tensões acumuladas. Os tumultos públicos na Grécia terminaram no Syriza que absorveu os ímpetos mais exaltados. Em Espanha foi o Podemos a absorver os contestatários sem partido. E em Portugal o que aconteceu foi semelhante mas com uma feição mais tragicómica: os vapores da luta anti-governamental dispersaram-se e foram absorvidos pelo Livre, pelo Tempo de Avançar, por Marinho e Pinto e até por candidaturas presidenciais.
Embora o critério não possa ser esse, é interessante ver como estas singularidades foram desaparecendo das primeiras páginas dos jornais, e dos primeiros quinze minutos dos telejornais, à medida que as eleições iam ficando mais próximas. E quando aparecem é por (muito) más razões, como Marinho e Pinto. 
É significativo, por outro lado, que estes fenómenos apareçam em todas as sondagens realizadas por referência às eleições legislativas de Outubro como resíduos, na qualidade genérica dos “outros” que não se afastam do um por cento de intenções de voto quando a vitória, ao que tudo indica, exigirá entre 35 a 40 por cento de votos, sendo disputada só entre duas candidaturas (PSD/CDS e PS).
Estes “outros”, em si, não são nem podem ser condenáveis. Fazem parte da democracia e, se não houver nada de errado, nasceram de cidadãos no pleno uso dos seus direitos.
Só que os direitos de cidadania não têm como requisito a lucidez ou o discernimento intelectuais. E por isso não deixa de ser estranho ver como certas criaturas (que até têm formação universitária e cultura acima da média) vão atrás de sonhos, de ambições políticas irrealistas, de quimeras e de caudilhos demagogos que adoram ser idolatrados. 
À sua maneira, estes “outros” são marginais de uma democracia onde, para o bem e para o mal, cabe tudo, incluindo a suspensão da racionalidade.


Escritor e tradutor
http://pedrogarciarosado.blogspot.pt

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