Eu, votante no “Presidente Marcelo”, decepcionado me confesso (1)

Na vida do actual chefe do Estado há muitos “Marcelos”. Há (no hemisfério público) o do “Expresso” do fim do Estado Novo até ao fim da Aliança Democrática, há o do presidente do PSD que quis atabalhoadamente destronar o primeiro-ministro Guterres, há o candidato à Câmara Municipal de Lisboa, há o comentador político, há o “entertainer” televisivo/explicador político, há o político que não quer ser político. E que não quer ser político quando exerce o mais político de todos os cargos: Presidente da República.
Votei em Marcelo Rebelo de Sousa para esse mesmo cargo, em Janeiro deste ano, e, ao cabo destes meses todos… Bem, sinto-me decepcionado. E não há, infelizmente, período de devolução por insatisfação ou livro de reclamações em eleições democráticas.
O período áureo de Marcelo Rebelo de Sousa foi, para mim, o de comentador na rádio nos anos 90. Era brilhante, arguto, docemente sarcástico, pesada mas subtilmente crítico com as notas que dava. A transição para a TV pode ter-lhe sido favorável noutros aspectos mas diminuiu-o na qualidade de comentador. 
No universo de comentadores que percebem de tudo e de nada, Marcelo Rebelo de Sousa pode ter querido ser diferente e foi deixando cair a sua pele de comentador de olhar crítico. Ou tivesse outras coisas em mente. Na televisão tornou-se um explicador de factos presentes e de hipóteses futuras. Começou a criar um lugar de “entertainer” e a avançar por um mar de absurdos que iam dos afectos diante das câmaras às entrevistas vagamente jornalísticas. Foi, claramente, diante das câmaras da TVI que nasceu a sua candidatura à Presidência da República.
No rescaldo do golpe de Estado parlamentar da tríade PS-BE-PCP, Marcelo Rebelo de Sousa pode ter sido visto – atendendo à sua área política de origem – como uma espécie de homem providencial por parte dos opositores ao Governo. 
Penso que muitos dos seus eleitores acreditaram, e isso aconteceu comigo, que seria importante ter na Presidência da República um homem de discernimento e força política institucional que, respeitando o alcance e os limites do cargo, exercesse de maneira mais firme e talvez mesmo recatada a sua “magistratura de influência”, que fosse um estadista capaz de gerir o seu poder com alguma reserva e de constituir um contrapeso a um governo de origem e práticas duvidosas.
Mas não foi o que aconteceu. A Presidência da República ganhou um político entertainer e uma espécie de apóstolo dos “afectos”, tão interessante nessa vertente como um consultório de dúvidas existenciais de uma revista cor-de-rosa. E o Governo ganhou um misto de anjo-da-guarda, de guarda-costas, de oráculo e de ministro da propaganda.

Pedro Garcia Rosado

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