Um governo que só governa para Lisboa

Quando este governo aumentou, de emboscada, o Imposto sobre os Produtos Petrolíferos, demonstrou, de imediato, o que era e como queria ser: um governo preocupado apenas com alguns e não com o bem geral. 
O chefe do Governo, com a sobranceria que o caracteriza, recomendou nessa altura aos portugueses que passassem a andar de transportes públicos para não pagarem mais (ou ainda mais) pela gasolina e pelo gasóleo. Agora, e decerto que com a sua autorização, sai uma fuga de informação sobre o Orçamento de Estado para 2017 segundo a qual haverá deduções no IRS para quem andar de transportes públicos.
Ou é ignorância, ou é má fé, ou é demagogia ou é o contrário de qualquer racionalidade. Ou tudo junto. 
O País (o chamado “país real”) não tem transportes públicos. Há-os, mal ou bem, em Lisboa, Porto e Coimbra, abrangendo subúrbios. Depois, e dentro das cidades, há transportes públicos em capitais de concelho. O interior e a sua população, aquela que vive a alguns quilómetros da capital do seu, não têm transportes públicos dignos essa designação. Não há carreiras regulares que passem pelas aldeias, ou pelos aglomeradas de casas onde vive gente, ou pelas freguesias e durante todo o dia. 
(Poderá, é claro, argumentar-se que não são rentáveis transportes públicos durante todo o dia em percursos onde poderão recolher três ou quatro pessoas e, em alguns casos. E que nenhum município se meteria numa aventura dessas. É verdade. Mas mais errado é, por exemplo, ter a população de concelhos sem transportes públicos a pagar os prejuízos dos transportes públicos de Lisboa e os privilégios dos seus trabalhadores.)
Resido há cerca de dez anos no concelho de Caldas da Rainha. Não na sua capital mas no interior, a cerca de dez quilómetros da cidade que é a capital do concelho. Tenho carro próprio e é o que utilizo para me deslocar à cidade, onde está tudo concentrado. E vejo como, sem carreiras de transportes públicos, andam pelas estradas em carros já muito velhos e pouco seguros, ou nos “papa-reformas”, pessoas de idade avançada que precisam de ir à cidade. Para uma consulta médica, por exemplo. Em alternativa, ou chamam um táxi (o que é caro), ou ficam dependentes de um familiar, amigo ou vizinho. E a elas, quando guiam, já as tenho visto a andar de carro no meio da estrada ou na via contrária.
A realidade do País é esta. Ou pior ainda: há concelhos maiores e de estradas muito piores do que Caldas da Rainha.
Se for real a intenção imbecil de garantir deduções no IRS aos passageiros de transportes públicos, gerar-se-ão o desequilíbrio fiscal e a desigualdade económica entre os que têm transportes públicos nos seus concelhos e os que não têm. Os primeiros terão desconto no IRS, os segundo não. É esta a agenda do Governo, realmente? Favorecer uns contra os outros? Mesmo a este nível?
Espero que haja partidos e candidatos eleitorais locais e presidentes de municípios que impeçam o disparate. Infelizmente não me parece que, havendo, o queiram fazer. Ou que percebam a essência da questão.


Pedro Garcia Rosado

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