Argumento pela extinção do Ministério Público

Quando foi estabelecido segundo o modelo alemão pela Constituição de 1976, o Ministério Público foi desenhado antes de tudo como um defensor da legalidade democrática. Isto é, acima de tudo o M.P. é um guardião do Direito. Essa a razão que o levou a considerar um órgão quase pertencente ao poder judicial , e não estritamente ligado ao poder executivo, o que tem levado os seus representantes a considerarem-se análogos à magistratura judicial e a falaram de uma autonomia quase encarada como independência. Na Alemanha Federal, também muitos consideraram que o M.P. no desenho da Lei Fundamental de 1949 deveria ser enquadrado no poder judicial. Todavia, talvez por influência norte-americana, que vigiou de perto a elaboração dessa lei, nunca saiu da esfera do poder executivo.
No entanto, simultaneamente, as principais atribuições concretas do M.P. situam-se na esfera da acção penal. Ele desempenha as funções de chefe dos investigadores e acusador.
Notoriamente, esta dupla função cria uma grande incerteza ontológica e prática no M.P. Num processo penal defende o Direito ou a Investigação? Um exemplo típico das perplexidades que esta situação levanta deu-se no famoso caso Sócrates em que perante uma decisão clara e inequívoca de um juiz da Relação, um procurador responsável por uma investigação introduziu vários elementos de complicação que podem ser legítimos em termos de investigação, mas pouco têm a ver com o Direito. Quem frequenta os tribunais vê todos os dias o M.P. a defender as suas acusações até ao limite, a esticar o Direito. Não tem claramente aquele papel de guardião do Direito que se esperava. Se calhar não podia, nem devia ter. Mais simples era clarificar que o M.P. tem como função acusar, investigar e por isso é um organismo de investigação criminal e acção penal e não qualquer magistratura. Assim, temos um sistema judicial hipócrita que só cria incerteza.
Além da incerteza ontológica, temos outro problema com a actual posição do M.P. Esse problema é o da politização e fulanização do M.P. Não é um, não são dois procuradores que afirmam em público que o M.P. está politizado, toma opções por questões políticas e tem linhas políticas actuantes no seu seio. Mesmo um antigo Procurador-Geral da República afirmou isso, e antes, muito antes tínhamos aquela coordenação mágica entre as capas do “Indepedente” e o anúncio das investigações do M.P. Tudo se passava entre quinta e sexta-feira…Hoje não vale a pena falar do M.P. e Sócrates, contra Sócrates, a favor de Sócrates, ou a protecção dada aos interesses angolanos por supostas razões de Estado. Acresce à politização, a fulanização. Alguns casos parecem corresponder a desejos inconfessáveis de perseguição pessoal, alguma “vendetta”, do que propriamente a um exercício são de justiça. Por exemplo, João Rendeiro foi absolvido num processo-crime, de repente surgem mais dois contra ele. Bum!!!. Noutro caso, a determinada figura, a Procuradora da República em fase de investigação afirmou-lhe contente: “Você nunca mais se levanta”. Porquê? Para quê?
Há uma percepção que o M.P. está a exceder o seu mandato constitucional, tendo-se, porventura, tornado em mais um poder fáctico dentro das corporações do Estado. 
Incerto, politizado e fulanizado, talvez o melhor seja extingui-lo e entregar a investigação e acção penal ao Ministério da Justiça que passaria a ter os seus advogados junto das órgãos de polícia criminal para desenvolver as acusações derivadas das investigações dos técnicos e ao mesmo tempo re-situar a magistratura judicial como defensora das liberdades e dos direitos, tirando-lhe o papel ingrato que agora detém de colaboradora (às vezes activa de mais) do M.P.

Temístocles Menor (no exílio persa)

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