Sair ou ficar? A União Europeia, o Reino Unido e Portugal.

A União Europeia foi uma forma que vários países encontraram para resolver o problema alemão após a Segunda Guerra Mundial. A Alemanha é demasiado grande e poderosa para estar no centro da Europa sem fazer estragos.Os EUA e a Inglaterra, fartos de ver a Alemanha a devastar a Europa com as suas guerras, mas sabendo que não podiam reduzir o país a um território pastoril (como queria o Secretário do Tesouro norte-americano Morgenthau) devido à Guerra Fria, congeminaram uma comunidade de Estados que ancorasse a Alemanha no Bloco Ocidental, mas a colocasse debaixo de controlo, designadamente francês. Os franceses conduziriam a política da Europa Continental, enquanto a Alemanha se fortalecia para enfrentar os Soviéticos, sem perturbar os restantes países.
E a realidade, é que com várias vicissitudes históricas, o modelo funcionou razoavelmente bem durante quase 50 anos. A Europa Ocidental foi um espaço de prosperidade e paz, e a Alemanha desempenhou com perfeição o seu papel de locomotiva económica, montra ocidental, e Estado enquadrado pelos aliados anglo-saxónicos, e pela própria França. 
Obviamente, que a reunificação alemã e o fim da Guerra Fria terminaram com o enquadramento anterior. No mesmo momento, a Alemanha tornou-se o gigante do costume, e deixou de haver o perigo soviético à porta.
Quer os dirigentes ingleses, quer franceses descortinaram o problema nascente. Mas os americanos preferiram aparecer como "padrinhos" da unificação, fazendo eco de palavras de Kennedy "Ich bin ein Berliner" e de Ronald Reagan "Mr. Gorbachov, tear down this wall". Algo sós, os ingleses e franceses tomaram as suas medidas para evitar o perigo alemão: do lado inglês acentuou-se e pugnou-se pelo alargamento constante da UE por forma a manter a Alemanha enquadrada e dissolvida numa imensidão de Estados. Do lado francês exigiu-se a extinção marco alemão, e a sua substituição pelo Euro. Com tudo os alemães concordaram. E unificaram-se.
Mas, a história repete-se. O gigante económico foi-secomeçando a sentir forte politicamente, em vez de ser a fronteira com o comunismo, tornou-se o centro da Europa, do Atlântico quase aos Urais. O Euro tornou-se uma marco alemão ligeiramente mais fraco,o que só beneficiou as exportações alemãs.
É neste contexto que o chanceler Gehrard Schroder inicia uma política externa de algum distanciamento face aos EUA, e de aproximação à Rússia, tomando as velhas referências diplomáticas de Bismarck. Angela Merkel apanha o comboio em andamento e percebe que a Alemanha tem um poder novo imenso, que apesar de tudo procura utilizar com contenção. O problema é que simultaneamente a França continua a sua decadência secular, depois da morte de DeGaulle e dos seus sonhos de Grandeur nunca mais foi a mesma; o Maio de 1968 deixou as suas sequelas profundas, não na exuberância juvenil ou na inovação do pensamento, mas na capacidade da rua governar mais do que o Palácio, e na indulgência dormente em que entraram os franceses, até hoje. A Inglaterra continuou a apostar no alargamento para manter a sua influência. Não lhes passaria pela cabeça que os polacos se tornassem germanófilos, ou os escandinavos. A sua política externa foi complacente face à Europa apostando os trunfos todos na aliança americana. Finalmente, os americanos, sobretudo com Obama desinteressaram-se da Europa e viraram-se para o Pacífico, entregando a Europa a uma espécie de policiamento germânico.
Naturalmente, os factos não são assim tão simples, mas redundaram nestas linhas.
Tornando-se o centro económico gravitacional da Europa, apoiada por um "marco" competitivo, e uma política externa sem agressividade, a Alemanha foi ficando o "primeiro entre iguais". Os franceses perceberam que o jogo do Euro (moeda) tinha sido perdido e conformaram-se com Sarkozy a ser uma espécie de ajudante do condutor germânico. Em troca os alemães não os maçam com as questões do déficit e deixam-nos brincar às potências.
Os ingleses perceberam que o seu cinturão de aliados na Europa acabou por se render à excelência alemã. Pouco lhes resta agora senão saírem da União Europeia, e por isso, o referendo que está previsto se tem tornado tão intenso. Mais uma vez o que está em causa, como desde há muitos séculos é o controlo da Europa central e da Alemanha. Obviamente, que a Inglaterra não quer ser controlada pela Alemanha, nem pode, por isso é muito natural que o Brexit vença. 
Portugal não tem grande lugar nesta história. Portugal sempre foi um país de transição de Europa para outros caminhos, e as mixórdias europeias sempre lhe trouxeram problemas, desde as ambições de Afonso V, que acabou traído e frustrado nas suas aventuras pela França, até à intervenção na Guerra da Sucessão espanhola, que nos levou a conquistar Madrid, mas nenhum benefício nos trouxe, até às Invasões Francesas em que fomos saqueados e maltratados por inimigos e amigos (os famosos de Peniche), terminando na triste, fatal e bizarra participação na Primeira Guerra (em que os nossos aliados não nos queriam por perto...), este país sempre se deu mal com a política europeia. Uma coisa são alianças e boas relações, outra coisa é integrar um sistema europeu, de que Portugal não faz parte.
Não se discute que a adesão à UE foi uma forma de solidificar a democracia e de obter investimentos que contribuíram para algum crescimento económico que em parte foi desbaratado por uma classe política e empresarial corrupta. Mas discute-se se hoje faz sentido Portugal pertencer ao sistema europeu germânico. Pode ser que caso a Inglaterra decida pelo Brexit e a Catalunha se torne independente, que o país possa efectivamente re-ponderar acerca do seu papel na União Europeia.

Rui Verde

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