Uma questão de dignidade

António Costa, em 4 de Outubro, devia ter agido com dignidade: ou demitindo-se do cargo de secretário-geral do PS ou declarando que o PS, como partido derrotado nas eleições, assumiria no Parlamento o lugar e a função de principal partido da oposição.
Depois disto, e só depois disto, é que poderia dar-se, abertamente, aos derriços que até talvez já antes desejasse com o BE e o PCP.
Apressando-se a fazê-lo antes de o Parlamento entrar em funções, Costa mostrou (mesmo que por uma eventual pureza de carácter, contra todas as evidências) que a sua tentativa de conúbio com a jovem Catarina e o ancião Jerónimo não visava mais do que chegar ao poder. Não para o PS, ou em nome de uma bizarra “frente popular”, mas para seu próprio e exclusivo proveito. 
Ao fazê-lo foi longe demais. Deixou o País à espera da concretização dos seus próprios planos. Andou a ziguezaguear em jogos florais negociais. E não o fez da melhor maneira. 
Quando foi ao encontro do Presidente da República com o desafio de que “não vale a pena estar a perder tempo” e que seria preferível indigitá-lo logo primeiro-ministro (contra a prática constitucional da democracia portuguesa que sempre deu essa primazia ao partido vencedor das eleições legislativas) revelou o seu desprezo profundo por toda a gente que não esteja com ele. E pela democracia. Pela lógica do “não vale a pena perder tempo”, nem deveria ter havido eleições.
Pois não se seu o caso, durante a legislatura que o PSD e o CDS cumpriram na sua totalidade, de o BE, o PCP e o PS intermitentemente garantirem que as manifestações e as greves representavam o “povo” contra o malvado governo? 
Para esta gente, o odiado Presidente da República não devia ter marcado as eleições mas, demitindo o Governo, deveria sim ter entregue o poder ao PS costista, ao BE e ao PCP, talvez na pessoa do decano do grupo, Jerónimo de Sousa. Não se teriam “perdido” o tempo e dinheiro que consomem os processos eleitorais.
Não há, nesta espécie de PREC de novo tipo, uma réstia de dignidade. 
Nem na encenação das negociações. Como é que Costa se vai encontra oficialmente com a representante secundária da coligação criada pelo PCP (cujo partido nem uma única vez foi a votos) quando se recusou a fazer debates com Paulo Portas, o representante secundário da coligação criada pelo PSD e pelo CDS?
Nem, ainda, na ocultação do que parece ser um qualquer acordo programático para a “frente popular” costista. 
Não seria necessário mais do que a soma destes pormenores para legitimar, politicamente (já que a legitimidade constitucional existe), afirmação clara e combativa do Presidente da República ontem à noite quando, neste final do seu segundo mandato (e quando já nada tem a perder), recusou a entrega do País ao PREC costista.
É possível que o arranjinho de poliamor político do PS, do BE e do PCP derrube o novo governo do PSD e do CDS na Assembleia da República dentro de quinze dias. É possível que o Presidente da República aceite uma qualquer proposta de governo que saia das cabeças de Costa, Martins e Sousa. É possível que o Presidente da República se recuse a fazê-lo. É possível que o Presidente da República sinta que uma decisão dessa natureza (que terá repercussões para o mandato do seu sucessor) já não caiba no seu tempo político.
Independentemente de tudo isto, Costa e os seus “compagnons de route” deviam, e para já, exigir novas eleições legislativas para validarem a sua pretensão política enquanto coligação (esperando até isso ser possível dentro de poucos meses) e encontrarem um candidato único às eleições presidenciais.
Não o fazerem só revela a falta de dignidade deste grupo de gente que parece cega pela fome de poder.



Pedro Garcia Rosado

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