A ESQUERDA INCULTA

A esquerda inculta (1): a tirania fiscal

A “narrativa” é esta: o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho não se limitou a decretar mais impostos e a aumentar os existentes; também criou mecanismos terríveis e tirânicos de os cobrar, incluindo neles a perseguição fiscal a quem passou portagens sem as pagar e os mecanismos de penhora fiscal cega. E foi o próprio que não pagou impostos. E isto serve para tudo, incluindo para (remédio santo para tudo, este) pedir a demissão do actual primeiro-ministro.
A isto junta-se outra “narrativa”, cautelosa por causa dos rabos de palha: a tirania fiscal é boa se for exercida por um governo de esquerda; é má se o governo for de direita.
O incêndio da indignação fervorosa alastra dos jornais às redes sociais e, por todos os motivos (e alguns dão pena), juntam-se ao coro os bem-intencionados, os que sofrem de iliteracias várias e os, pura e simplesmente, burros. Além dos que não têm memória ou idade.
A tirana fiscal que sofremos, note-se, tem mais de dez anos. Ela nasce do aperfeiçoamento de um mecanismo de controlo fiscal que foi levado aos extremos sob a orientação do actual ministro da Saúde, Paulo Macedo, quando foi director-geral dos Impostos (entre 2004 e 2007). Paulo Macedo (que se notabilizou por algumas cerimónias de exaltação interna, como um encontro de funcionários ao som da banda sonora de “Gladiador” e uma missa) foi nomeado para o cargo pela então ministra das Finanças, Manuela Ferreira Leite (quando foi primeiro-ministro Durão Barroso). Não foi só a hegemonia do “pague primeiro, reclame depois” mas o lançamento de um sistema que não deixava nada direito: quem se atrasasse, ou fugisse e fosse apanhado, pagava o que devia, as multas que se pudessem arranjar, juros e custas e arriscava-se a perder salário, casa e o que mais tivesse em seu nome.  
Os dois governos de José Sócrates (2005 – 2011) não só não mudaram nada como intensificaram os mecanismos de repressão. As infracções decorrentes do não pagamento de portagens e os processos e multas que dão origem a dívidas monumentais foram reguladas em 2010. 
Nenhum governo deu facilidades aos contribuintes neste domínio e aquelas que existem, pelo recurso à Internet, visaram apenas tornar mais fácil a cobrança de impostos, que foram sempre a grande ferramenta do Estado para se suportar a si próprio. 
Porque mesmo o esclarecimento se tornou complexo. Os códigos fiscais multiplicaram-se e tem havido disposições que mudam de ano para ano. 
A situação é semelhante no que se refere à Segurança Social. Raro há-de ser o português que, tendo qualquer tipo de rendimento que obrigue a pagar impostos (máquina fiscal e Segurança Social), nunca teve um problema na vida neste domínio. E a grande maioria dos contribuintes há-de ter sido derrotada aos balcões da Segurança Social ou do fisco – campos de batalha onde muita gente se sente diminuída e inferiorizada perante funcionários não poucas vezes arrogantes.
O problema da “narrativa” sobre os impostos de há mais de dez anos do primeiro-ministro e dos pagamentos feitos com atrasado à Segurança Social é o de unir o desconhecimento (voluntário ou involuntário) ao combate político. 
Trata-se, aqui, do mero aproveitamento de uma oportunidade de poder ver o actual governo demitido antes das eleições legislativas (e a demissão de cargos, públicos e privados, é sempre o grande remédio para tudo...), cujo resultado deixou de ser garantido. Até porque seria interessante que os defensores da demissão de Passos Coelho fizessem prova de que nunca se atrasaram no pagamento ou na declaração de um imposto ou no cabal esclarecimento da sua situação contributiva.


Escritor e tradutor
http://pedrogarciarosado.blogspot.pt

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