LISBOA NA GRELHA

José Luís Montero

O calor não me respeita. Fico banhado e a realidade veste-se de cinzenta. No coração de Lisboa saiu à rua uma santa em ritual antigo. A Senhora da Saúde não suou; leva trajes antigos e gente, pouca gente pelas ruas castiças de Lisboa. O Martim Moniz, como é fusão e chinês, não se veste para a ocasião e os crentes desertaram. As autoridades, destas coisas, nunca desertam, por isso, estavam todas e todos com os sapatos engraxadíssimos. É curioso mas, brilhavam sapatos e metais ainda que as caras pareciam baças. Seria do calor ou da parafernália do sorriso oficial de felicidade. A Baixa de Lisboa; O Martim Moniz, a Rua do Benformoso; Almirante Reis; a velha Rua da Palma; Dom Duarte; Poço do Borratem; Marques do Alegrete e a Mouraria da Severa; Cesariny, Malhoa e do Belarmino perderam a prestância. Não existem; passaram para a banda do Design anódino. A criatividade aliou-se com a banha da cobra.
Reconstruiram uma das zonas ancestrais e castiças com brócolos congelados e toda a Mouraria e zonas limítrofes sempre cheiraram a rosmaninho, alecrim e hortaliças frescas; a cachuchos e carapaus em cabazes de peixeiras ambulantes; a queijinhos frescos nas suas velhas tascas onde se comia bem e respirava melhor. Dizem que o fado é saudade… No entanto, o que transmito não é saudade porque falo da raiz, o que era, e o triste que é hoje. O único sinal de  tempos novos que se vislumbrou e vislumbra é a deserção dos crentes, dos penitentes que por alguma Fé estranha e inexplicável caminham baixo a grelha escaldante do Sol; procuram, talvez, uma quimera com o nível do aborrecido Design que se instalou onde existiu humanidade.
 Lisboa abandonou-se. Como quem é atacado por uma tremenda depressão, perdeu-se; deixa-se perder; vive no abandono absoluto. O cosmopolitismo que a abrangeu é mais que de consumo; é de “carteirismo” que paga IRS. As ruas viraram-se invadidas por especialistas em abordar as levas de turistas propagandeando-lhe cozinha tradicional, mariscos e açordas várias que se parecem tanto ao anunciado como uma pedra a uma nuvem. 
Passar pela rua dos Correeiros é uma aventura que pode ser dramática para o porta-moedas. Descer a Rua Augusta entre paelhas desconhecidas é sentir que ali está o que não é; passear pela Baixa Pombalina é como regar flores de papel.
No entanto, como o Fado é Património, como o destino é uma constante nas belas letras de Fado, esperemos pelo devir e veremos que lhe acontecerá aos espertos negociantes da ocasião. Quando seja impossível vender sucedâneos de paelha por paelha; quando as pessoas deixem de entrar numa tasca ou restaurante porque não querem pagar marisco congelado a preço de marisco vivo; quando não aceitem comer solas de sapato por bifes da vazia que venderão estes novos vendedores de Fast- Food-cozinha- tradicional?..

Comentários

Enviar um comentário

Mensagens populares deste blogue

O porco com asas

Maria José Morgado. As coincidências no Expresso de 13 de Agosto.

Mais um santo: Santo António Guterres