Eleições tipo infantário

Pedro Garcia Rosado

Já começamos a saber o que a casa gasta, ou pode gastar, pela revelação de Sampaio da Nóvoa derramada numa entrevista televisiva: se o candidato do PS à Presidência da República já fosse Presidente no verão de 2013, teria demitido o governo e convocado eleições legislativas antecipadas quando Vítor Gaspar e Paulo Portas se demitiram.
Podemos pensar que, num registo de “e se”, tudo é possível. Podemos pensar que, para quem não gostava e não gosta do actual governo, teria sido uma oportunidade. Mas talvez seja melhor pensar que o desejo revelado por Sampaio da Nóvia parece ter mais a ver com a ideia de um golpe de Estado constitucional do que outra coisa. 
Vejamos: no verão de 2013 houve uma crise que, tendo Paulo Portas por aparente epicentro, não foi uma crise entre os dois partidos da maioria (absoluta) parlamentar que integravam o Governo. Na Assembleia da República continuava a existir uma maioria estável e o Presidente da República não podia ultrapassá-la. Não estava em causa, e o primeiro-ministro aguentou-se com firmeza, o “regular funcionamento das instituições”. E mesmo que quisesse à viva força demitir o Governo, contra o Parlamento, e tudo corresse bem... o que aconteceria em eventuais eleições antecipadas?
O PS e a coligação governamental (PSD/CDS) ficaram virtualmente empatados nas eleições europeias do ano seguinte. Não é crível que, apesar de tudo, o PS tivesse conseguido obter melhor resultado em eleições antecipadas que possivelmente só se realizariam em Outubro ou em Novembro de 2013. Se não houvesse um governo estável e fosse necessário fazer novamente eleições em 2014, com um resultado que não assegurasse o “regular funcionamento das instituições”, o que faria Sampaio da Nóvoa? Beberia a cicuta do fracasso da sua tentativa de golpe de Estado, demitindo-se? 
Este primeiro andamento das eleições presidenciais começa a parecer-se com uma brincadeira de infantário. 
Já não é só um ex-reitor que parece estranhamente alheado das realidades constitucionais. A candidatura do que parece ser o seu rival do momento, Paulo de Morais, afina pelo mesmo diapasão.
Como a Sampaio da Nóvoa, não se lhe conhece doutrina. Não se lhe conhecem propostas concretas no domínio dos poderes constitucionais actuais do Presidente da República. 
Morais lançou a sua candidatura a partir de uma coluna de jornal, de intervenções televisivas e de frases de que toda a gente, em princípio, gosta, ancorado numa demagogia que há muito não se via. Mas não só. Desde as eleições autárquicas que Morais se voltou para o movimento dos “independentes” que obtiveram, em vários concelhos, resultados eleitorais dignos de relevo. Fez de profeta e catequista, sempre sob a bandeira fácil e demagógica do “combate à corrupção”, sem se atrever a dizer como é que levará por diante a sua missão quase divina a partir de Belém, cavalgando boas intenções e boas vontades de pessoas que, legitimamente, aspiram a ser qualquer coisa no domínio político.
Sampaio da Nóvoa seria um Presidente da República perigoso por querer transportar para o principal cargo português um idealismo fundamentalista que a realidade bloquearia, para mal dele e nosso. Paulo de Morais seria, por seu turno, um Presidente da República igualmente perigoso por querer transferir para o cargo um vento de demagogia justicialista que nem um regime militarista sul-americano compreenderia.
São ambos como crianças a brincar aos políticos.
Talvez seja por isso que Carvalho da Silva saltou nesta fase da corrida presidencial. Já aprendeu muito no PCP, no movimento sindical e no ISCTE e não deve ter querido confusões. Como se sabe, quem se deita com crianças acorda mijado...

Escritor e tradutor
http://pedrogarciarosado.blogspot.pt

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