Casa de loucos

Pedro Garcia Rosado

Quem se governar apenas pelos telejornais e pelos jornais pensará que vive numa casa de loucos. Veja-se só:

SMS – Paulo Portas ter-se-á demitido de ministro por SMS dirigido ao primeiro-ministro Pedro Passos Coelho. O CDS afirmou que o tinha feito por carta formal. Uma coisa não impede a outra mas não se consegue saber se foi isso que realmente aconteceu. Mas esse SMS enche notícias. O que já não acontece com o SMS que o candidato a primeiro-ministro António Costa enviou a um jornalista (e cujo teor e significado são piores do que uma demissão ministerial unicamente por SMS). Para a imprensa portuguesa, este SMS é um “não assunto”, como acabou Costa por dizer. Com ar triunfante, obviamente.

Um presidente tipo Punisher? – Há um candidato a Presidente da República que, sem deixar que o penteado bem armado se desmanche, garante que só quer é combater a corrupção. Como é que Paulo de Morais o fará é coisa que não se sabe. Avocará o cargo de procurador-geral da República, chamará a si o controlo dos magistrados e das polícias? Ou sairá para a noite de arma em riste, aos tiros, como o Punisher? Tudo é possível, mesmo a loucura dos apoiantes que tem que se encrespam porque outro candidato fale no combate à corrupção porque só o combate de Morais é que vale. É possível que Morais tente registar como patente a ideia do combate à corrupção. Nem sequer é caro.

Pide fiscal – Os exageros e os excessos do Fisco (que nunca se recorda serem do tempo do então director-geral Paulo Macedo) dão sempre muitas notícias e, às vezes, com pouco rigor. No meio de todas as desgraças fiscais há realmente pessoas que, desconhecendo a lei (e não a querendo conhecer), se sujeitam a esses excessos. Mas quando o Siryza grego e o Podemos espanhol (duas coqueluches de uma espécie de “polícia do pensamento” portuguesa) admitem aceitar denunciantes públicos das situações de eventual fuga aos impostos por parte dos vizinhos, a imprensa nacional varre a notícia para debaixo do tapete, por manifesta inconveniência.

TAP – A greve dos pilotos até consegue indignar os defensores da manutenção da empresa como empresa do Estado. Ninguém se refere aos “custos para os contribuintes” que uma empresa falida (como a TAP já é, tecnicamente) vai ter se não for vendida. E até há quem diga que a greve é culpa do Governo. Como Jerónimo de Sousa (tudo o que é mau é culpa do Governo) e como o PS (em ano de eleições vale tudo). A imprensa, em geral, também parece achar que sim.

“Organização secreta” – O juiz Carlos Alexandre sugere estar a ser vigiado por “organização secreta”. A expressão caiu bem em todos os jornais e televisões, apesar de ter duas palavras. Lido e relido, a qualificação não se aplica a um qualquer grupo misterioso mas às duas “organizações secretas” que são o Opus Dei e as várias maçonarias. E será do Opus Dei que se queixa o juiz? Ou de alguma das maçonarias? Ou da maçonaria, em geral? Como as “organizações secretas” também medram na imprensa, o mais vago é sempre o melhor.

“Papel comercial” – Os milhares de pessoas que, com pouco e com muito dinheiro (mesmo muito, em certos casos), compraram o enigmático “papel comercial” do Grupo Espírito Santo têm uma extraordinária cobertura mediática nas suas acções de protesto que vão todas ter ao Novo Banco. A imprensa parece aceitar bem a hipótese de o Novo Banco pagar os milhões todos do “papel comercial” a quem o comprou com a mesma tranquilidade com que jogaria na Bolsa ou nas raspadinhas. Não custa a crer que se descobrissem pessoas influentes dos “medias” entre os que foram na cantiga do GES se a lista fosse conhecida.

PEC – A TSU e o IVA da restauração são assuntos “picantes”. Parecem servir para tudo, da luta política à análise económico-financeira. Do PEC (o Pagamento Especial por Conta) já não se fala. E no país de micro e pequenas empresas que é Portugal o PEC deve ser um das obrigações fiscais que mais penaliza essas empresas. O seu mecanismo é simples: a partir do terceiro ano de actividade, todas as empresas são obrigadas a pagar anualmente 1000€ ao Estado “por conta” do IRC que pagarão, ou não, no ano seguinte. Se tiverem lucro, recuperam os 1000€ no todo ou em parte, mas se tiverem prejuízo já não recuperam nada. Isto prejudica todas essas empresas e chega a ajudar a matá-las. Dá jeito aos partidos de poder (é dinheiro sempre a entrar) e para os outros, os da “esquerda”, todos os empresários são capitalistas malditos, mesmo que ganhem menos do que um maquinista da CP, um membro das elites fabris ou um piloto da TAP. Mas isto já faz parte de um mundo que a imprensa desconhece. Ou que prefere desconhecer.

Ao escrever “casa de loucos” estarei a ser sexista, por não escrever “casa de loucos e de loucas”? É possível. Mas “casa de loucas”, por via de dois filmes, tem uma conotação que tornaria a frase politicamente incorrecta. Portanto...

Escritor e tradutor
http://pedrogarciarosado.blogspot.pt

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