Cá se fazem cá se pagam

Pouca gente sabia, o que também não deixa de ser curioso, mas o primeiro-ministro José Sócrates não lidava bem com aquilo a que, por manifesto exagero, se chama a classe jornalística.
O seu antecessor António Guterres quis dar aos "rapazes dos jornais" a cenoura e o pau mas o conceito foi-se estreitando e Sócrates foi sempre descaindo para o uso quase exclusivo do pau. Por defeito, por feitio ou por saber que até tinha muitas coisas a esconder.
E este comportamento foi mantido depois de o ex-primeiro-ministro ter sido transformado em recluso do Estabelecimento Prisional de Évora e com a ajuda (interessada? interesseira? amiga, apenas?) de alguns "notáveis" do PS. Vociferava contra a imprensa que ia publicando as coisas pouco dignas que se iam sabendo, garantia que era "preso político" e, num passo em falso absolutamente decisivo, o seu principal advogado acabou a mandar uma jornalista "tomar banho" porque "cheirava mal" diante das câmaras de televisão.
Sócrates, e também graças à benevolência de que o PS foi gozando sempre na comunicação social, levou as coisas longe demais. E depois... foi preso.
Há uma tendência, muito portuguesa, para bater no adversário quando ele está no chão, que contrasta com o medo que se tem de bater nele quando está pé.
Seis meses depois de o ex-primeiro-ministro ter recebido ordem de prisão preventiva por crimes "de colarinho branco", ao longo de inúmeras notícias que acolhem mais os factos invocados pela acusação do que os argumentos da defesa, com um livro que tira do carácter efémero da comunicação social as muitas ilegalidades que já praticamente toda a gente acredita que foram praticados... é o descalabro: os últimos dias, do desvario da ex-mulher de Sócrates aos testemunhos directos recolhidos pelo citado livro, são um verdadeiro massacre para um homem que, pelos vistos, acalentou um sonho de poder pessoal (político, económico e social) que se transformou num pesadelo. 
Para o bem e para o mal, este caso também ilustra (e é bom que se repare nisso, que aliás não desculpa nenhuma das muitas ilegalidades) um dos piores atributos dos jornalistas portugueses: agora também falam os que em tempos se tinham calado, fazendo por que não se note qual o lado da barricada onde viveram de cama e pucarinho com o poder socrático.
O "cá se fazem, cá se pagam" ainda se lhes pode vir a aplicar, à vez...

Costa Cardoso 

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