Portugal não é a França

Há anos, talvez décadas- certamente desde os disparates que Miterrand fez na economia francesa nos anos 1980, que foram tão graves que teve que entregar a economia a Delors, que corrigiu os erros mais trágicos e evitou o pior- que  a França vive acima das suas possibilidades. 
Contudo, essa situação tem sido alimentada pela Alemanha, que em troca da sua unificação e de não ser incomodada na sua hegemonia europeia,vai financiando a França e fechando os olhos aos seus desmandos. E assim,os franceses vivem um declínio dourado. Sorte (ou azar deles).
Como aquela espécie de livro de memórias de Hollande explicitou, Portugal não é a França. A França faz o que quer, porque tem poder, faz o que quer, porque pode. 
Portugal não pode. Não tem poder, não tem força.Desde 1974, que perdeu qualquer esperança de ser um país soberanamente independente.
Hoje tem que se adequar a um conjunto de regras, com as quais obviamente se sente desconfortável. Desde 1974 já teve 3 intervenções do FMI, e em termos económicos, tirando os anos 1985-1995, e um ou outro blip, a situação tem sido de estagnação económica (ou quase).
Tudo isto nos remete para a situação actual. Costa tentou (bem ou mal ver-se-á daqui a uns tempos) seguir uma política independente, confiando nos seus aliados socialistas e no facto de a pior parte da crise financeira já ter passado. 
Portanto, deitou ao ar as "cautelas e caldos de galinha" e começou a gastar, entrando num exercício de marketing esquizofrénico, pois enquanto gastava, fingia que estava a controlar as contas públicas, mas enquanto fingia que controlava as contas públicas, também queria passar a mensagem que estava a gastar mais, para que as pessoas se sentissem mais positivas, com mas dinheiro no bolso e começassem a gastar mais também, levando a que os gastos iniciados por Costa tivessem um efeito multiplicador. 
Esta estratégia era arriscada, mas poderia resultar. Gasta-se mais, as pessoas sentem mais dinheiro, os animal spirits, de que falava Keynes, acordam e a economia começa a progredir e a crescer. Quando aparece a conta dos gastos adicionais, já a economia levantara e não haveria problema em pagar essa conta. Ao mesmo tempo esperava-se que os mercados andassem distraídos e/ou acreditassem nas fábulas da contenção orçamental.
O que se passa neste momento, é que o bluff de Costa começa a ser desnudado, e a capacidade de se contorcer vai diminuindo. Trump e o Brexit vão colocar pressões inusitadas na economia e Portugal vai-se ressentir. Caminhando para eleições em França e Alemanha com eleitorados pouco amigos da "solidariedade" europeia, vai levar os governos a apertarem Portugal.E se temos estas duas condicionantes políticas externas, ao nível doméstico há uma impressão de "socratização" acelarada do regime, com os níveis de corrupção a aumentar, a opacidade dos negócios a tornar-se regra, o intervencionismo estatal em toda a vida económica a ser uma constante. 
Face a tudo isto, dificilmente Portugal terá a força de França para evitar mais tumultos nos tempos que se seguem. 
Haverá um momento doloroso em que se perceberá que o Estado não pode gastar mais do que recebe de impostos de forma sistemática e permanente, e que a economia tem que ser realmente reformada saindo do neo-corporativismo onde indolentemente se instalou.

Rui Verde

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