O jornalismo do “vale tudo” que até altera as datas da História

Catarina, mãe de dois filhos, chegou ao Luxemburgo em 15 de Março de 2011, num dia "maravilhoso" de sol (porque "não há sol no Luxemburgo" e "chovia torrencialmente" em Portugal) à procura de trabalho. Arranjou emprego, de facto, mas não deixou de ter de enfrentar dificuldades. Talvez tivesse sido mais difícil em Portugal. No Luxemburgo tem trabalhado sempre em cafés, como consta de um seu depoimento no YouTube, publicado em 30 de Maio de 2014.
Catarina, de apelido Salgueiro Maia, é filha do capitão Salgueiro Maia, um das figuras militares destacadas do 25 de Abril. Esteve agora em Portugal e evocou o pai.
Há dois relatos de "jornais de referência" que relatam o que agora se passou:
Escreve o "Público": "Catarina Salgueiro Maia, de 29 anos, deixou Portugal em 2011, ano em que a troika chegou a Portugal e 'em que o primeiro-ministro aconselhou as pessoas a ganhar experiência no estrangeiro', ironizou, recordando os apelos do Governo à emigração. Com o marido desempregado e um filho asmático, a filha do Capitão de Abril decidiu procurar trabalho no estrangeiro." O título é este: “Filha de Salgueiro Maia emigrou para o Luxemburgo e lembra ‘convite’ de Passos”.
Escreve o "Expresso": "A filha do capitão de Abril Salgueiro Maia, a viver no Luxemburgo há quatro anos, diz que foi 'convidada' a sair de Portugal pelo primeiro-ministro Passos Coelho, lamentando a situação atual do país, que compara ao terceiro mundo. Catarina Salgueiro Maia, de 29 anos, deixou Portugal em 2011, ano em que a 'troika' chegou a Portugal e 'em que o primeiro-ministro aconselhou as pessoas a ganhar experiência no estrangeiro'." O título é este: “Filha de Salgueiro Maia lamenta ter sido ‘convidada’ a sair de Portugal por Passos Coelho”.
Acontece que as circunstâncias relatadas são, no mínimo, estranhas.
Em Março de 2011 era primeiro-ministro o agora detido José Sócrates e era o PS que governava. O pedido de socorro internacional foi feito Governo, ainda do PS, em 6 de Abril de 2011. O governo PSD/CDS só tomou posse em Junho de 2011. Ou seja, só três meses (90 dias) depois de Catarina Salgueiro Maia ter decidido emigrar é que Passos Coelho foi nomeado primeiro-ministro. Nessa altura, já Catarina Salgueiro Maia trabalhava nos cafés do Luxemburgo.
Até pode acontecer que a jovem Catarina tenha, inadvertidamente, trocado a História, pondo a “troika” a chegar a Portugal e Passos Coelho a chegar a São Bento antes do seu 15 de Março de 2011.
Mas conviria aos jornais (e à agência Lusa, que às vezes ainda parece mais assanhada do que o “jornalismo de causas” da esquerda jornalística) terem alguma memória e/ou fazer o necessário “fact checking” mental ou histórico para não resvalar para a asneira.
O 25 de Abril não devia ser sinónimo de “vale tudo” nem de analfabetismo histórico mas, com profissionais do jornalismo deste jaez e com pouca vergonha intelectual, acaba por ser.

Costa Cardoso

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