"Fisco quer obrigar clientes a pagar dívidas de restaurantes"

O título (no "Jornal de Notícias" e no "Diário de Notícias" era mesmo este: "Fisco quer obrigar clientes a pagar dívidas de restaurantes". Mas devia ser outro: "Fisco 'cego' confunde clientes de restaurantes falidos". Por exemplo.
A história dos dois jornais é esta: houve contribuintes com facturas de restaurantes falidos (de refeições que aí comeram e pagaram) que teria sido ameaçados pelas Finanças com qualquer tipo de penhora para compensar as dívidas desses estabelecimentos.
O texto não era completamente esclarecedor, apesar da opinião jurídica que explicava o que se passava e da resposta do Ministério das Finanças, que o justificava. Mas a conclusão tirada pelos dois jornais estava plasmada no título. E os comentários dos leitores "on line" correspondiam, indo dos "tiro nos kornos" (por causa da "censura") de fiscais das Finanças e governantes a juras de nunca mais votarem no PSD nem no PS.
Aparentemente, e basta pensar um pouco, ler melhor as explicações jurídicas e conhecer um mínimo dos códigos tributários (a ignorância da lei não beneficia o infractor nem desculpa as manifestações de burrice) para se perceber que a verdadeira história será, mais ou menos, esta: pessoas singulares ou colectivas que terão sido receptoras de facturas emitidas pelos restaurantes falidos sem ainda terem pago essas facturas (e há haver casos raros de refeições abrangidas) ficarão obrigadas a pagar não aos restaurantes mas ao Estado.
Ou seja, o crédito que seria devido à empresa falida e com dívidas (ao Estado, pelo menos) vai directamente para o Estado.
O que pode ter acontecido, segundo a explicação das Finanças, terá sido o facto de irem parar essas exigências de créditos a indivíduos que fizeram refeições, pagaram e receberam factura.
O sistema informático "cego" do e-Factura terá misturado as facturas liquidadas e as tais que deviam ser liquidadas e foi bater a todas as portas.
Se há nisto algo de censurável será o carácter "cego" do sistema informático, se por acaso ele não é devidamente controlado. Mas mesmo isso não desculpa o título apocalíptico dos dois jornais.
É um título em nada objectivo, que falsifica a realidade, que nada tem a ver com a essência da notícia e que demonstra uma de duas coisas, ou as duas: incúria profissional e tentativa de aproveitamento político.
O jornalismo não é isso. Embora tenda a ser, e a parecer, no nosso país.

Costa Cardoso

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