O fim da memória, o fim da investigação, o fim do jornalismo (2)

Pedro Garcia Rosado
Há cerca de uma semana, o diário “on line” “Observador” publicou uma notícia com o seguinte título “Forças Armadas vão fazer vigilância dentro das escolas”. O “lead” era mais rigoroso: “O Conselho de Ministros aprovou alterações a um diploma que permitem agora o recrutamento de elementos das Forças Armadas na reserva para fazer vigilância nas zonas escolares.” “Forças Armadas” não são militares na reserva nem ex-militares mas, nos tempos que correm, esse desconhecimento nem é o pior dos pecados da imprensa que temos.
A notícia não era muito esclarecedora, referindo-se a um anúncio do Conselho de Ministros, mas o pouco que se conseguia perceber mostrava que o sistema pensado (visando “complementar” o Programa Escola Seguro) não deve andar muito distante do que fora montado pelo Gabinete de Segurança. Não havia muitos mais pormenores mas havia espaço para as (inevitavelmente negativas) reacções de “militares”, de um director de uma escola e do PCP… a quem só faltava falar no risco de uma ditadura militar. 
A notícia merecia, no entanto, um outro tipo de desenvolvimento. 
Repare-se: o sistema de protecção das escolas e das populações escolares com recurso a elementos exteriores (no formato do Gabinete de Segurança ou do Programa Escola Segura) existe há quase três décadas; envolve meios e recursos públicos; aparentemente não tem corrido mal porque, se fosse o caso, não faltariam críticas e protestos. Mas não houve, que se saiba, qualquer tipo de avaliação. Politicamente, embora pareça, não houve problemas: os governos do PSD mantiveram o Gabinete de Segurança e os do PS apressaram-se a atirar tudo para a PSP e para a GNR. Não se vislumbra nisto sinal de opção ideológica.
Da imprensa esperar-se-ia (e noto-o eu, por conhecimento de causa, como o deviam notar alguns chefes e/ou directores, por inerência de funções) um outro comportamento quanto a isto: que pegasse neste assunto e tentasse saber melhor os fundamentos e o modelo desta decisão governamental; que recolhesse informações da PSP e da GNR sobre o seu modelo (e a utilização dos carros da “Escola Segura”); que fosse às escolas saber o que pensam, e o que vivem diariamente. “On the record” e “off the record”.
A isto, mesmo à escala de um sector que já teve direito à atenção permanente e informada de jornalistas e que toca toda a população, chama-se jornalismo de investigação. Para que ele exista, porém, tem de haver memória. 
Os jornais em cuja redação trabalhei (“o diário”, “O Jornal” e o “Diário de Notícias”) tinham arquivos, ou centros de documentação, em geral competentemente organizados. Era comum os jornalistas pedirem o que havia sobre um ou outro assunto antes de escreverem. Hoje, é de recear que a memória se resuma ao Google (e nem toda a gente o sabe usar inteligentemente).
Poderá dizer-se que tudo isto é caro para uma imprensa que já não parece ter dinheiro e que os estagiários e os novos jornalistas são… isso mesmo: muito novos. Que o que interessa são as modas, sejam elas quais forem. Que os chefes e os directores, que até nem são tão novos, não são pagos para serem um pouco mais… profissionais.
Mas nada disso disfarça a sensação de aridez que é inevitável quando se olha para um caso destes.
O jornalismo de investigação praticamente desapareceu e a memória, como agora se gosta de dizer, entrou de licença sabática, e de duração indefinida. O jornalismo, mais do que em floreados ou em causas, assenta nesses dois pilares. E sem eles resta o quê? 


Escritor e tradutor
http://pedrogarciarosado.blogspot.pt

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