Como morre o jornalismo de investigação na praia da "Operação Marquês"

A "Operação Marquês" e a detenção do ex-primeiro-ministro José Sócrates tornam-se nebulosas nas páginas dos jornais e nas reportagens tipo "enlatados" das televisões.
Não são os dois factos em si (o inquérito e a prisão do principal suspeito) porque, aos olhos de que conhece menos os meandros judiciais e muito mais os meandros das redacções, não é difícil perceber que, como em muitos outros casos, a prisão preventiva mais longa e uma acusação mais demorada são, infelizmente, comuns em Portugal.
Já menos comum é ver este tipo de jogo, até agora nunca praticado numa tão grande dimensão: o "Correio da Manhã", a "Sábado", o "i", o "Sol" e o "Expresso" alinham pelo Ministério Público; o "Diário de Notícias" e o "Jornal de Notícias" (de Proença de Carvalho) jogam por Sócrates; o "Público" tem dias; a RTP tenta equilibrar-se, a TVI favorece o ex-primeiro-ministro, a SIC ataca o Governo quando joga contra Sócrates (para equilibrar"); e a "CMTV" faz-se eco do seu "irmão" "Correio da Manhã". 
Uns têm fontes no Ministério Público e no poder judicial; outros dão voz aos advogados do detido e a outros defensores do preso, que convergem e nem sempre pelos mesmos motivos.
Este jogo, omitindo as fontes e enredando-se numa falta de transparência que também ainda nunca chegara ao nível a que chegou, é flagrantemente revelador do desaparecimento do jornalismo de investigação. A guerrilha noticiosa sobre a "Operação Marquês" não provém do bom trabalho exploratório e de investigação dos jornalistas mas duma simples questão de companhia: com quem "dorme" o profissional do jornalismo que dá a notícia? Com o Ministério Público? Com os socratistas?
Repare-se, ainda, como tudo fica dentro dos limites da dádiva: onde estão os outros?
Poderemos pensar (a fazer fé no que nos dizem que pensa o Ministério Público e no que podemos ler do que afirma o poder judicial) que o ex-primeiro-ministro agiu, ilegalmente, com a ajuda dos seus "amigos" que são também arguidos neste processo, para enriquecer, escondendo as origens ilícitas do seu lucro que teria a ver com práticas de corrupção. Activa e passiva, segundo se tem lido. Mas falta o resto.
Ou seja: se Sócrates recebeu dinheiro (foi "passivo") para forçar decisões (corrupção activa)... quem é que ele corrompeu?
Podemos acreditar num Sócrates capaz de estender a sua influência pessoal a decisões, despachos, portarias e outras decisões governamentais capazes de favorecer os seus corruptores? Ou havia mais gente? Aqueles que podiam de facto tomar as decisões e como ele queria. E onde estavam? No Ministério da Economia? No Ministério do Ambiente?
Quando os jornais e as televisões se referem aos "casos" que constarão das suspeitas, o mínimo que se poderia esperar dos jornalistas era que nos dissessem quem foram as pessoas que, no Governo, assinaram esta ou aquela decisão, de quem era a tutela política e administrativa, que secretários de Estado ou que ministros é que apareceram nos momentos públicos das inaugurações e das adjudicações e das visitas.
E não é nada difícil, note-se.
A "Operação Marquês", pela visibilidade de muitos actos públicos que nos dizem terem tido motivações privadas, é um campo fértil para o jornalismo de investigação. Que ele não exista diz-nos muito sobre o actual estado do jornalismo em Portugal.

Costa Cardoso 


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