O fim da memória, o fim da investigação, o fim do jornalismo (1)

Pedro Garcia Rosado


Penso que foi em 1986, último ano em que trabalhei na redacção do extinto matutino “o diário”,  que publiquei uma notícia que tinha, mais ou menos, este título: “Ex-militares e ex-polícias vão vigiar escolas”.
Já não me lembro de onde me teria chegado a notícia. Os interlocutores privilegiados de “o diário” (que pertenceu a uma empresa do PCP chefiada por Mário Lino, mais tarde ministro das Obras Públicas de José Sócrates) eram os sindicatos (da CGTP). 
Três anos antes eu tinha sido alertado pelo director de que não devia falar com membros do Governo. Falara com um louco que exerceu funções no Ministério da Educação e o aviso não se referia a essa particularidade mas ao facto de o Governo (PS, PS/PSD ou PSD) ser sempre o “inimigo”. No entanto, o facto de colaborar também no extinto “O Jornal da Educação” (que pertenceu ao grupo de “O Jornal”, mais tarde transformado na “Visão”) dava-me acesso legítimo a essas mesmas fontes, que não retribuíam da mesma maneira o anátema da direcção de “o diário”.
O que estava em causa, nessa notícia, era a utilização de militares e de polícias que já não se encontravam no activo para vigiar as escolas, num funcionamento em rede e em colaboração muito estreita com as direcções das escolas. A ideia nascera com um dos secretários de Estado do então ministro da Educação João de Deus Pinheiro, Simões Alberto.
O que estava subjacente à notícia, que mais nenhum jornalista ou jornal dera, era uma considerável reserva perante o que poderia ser uma “militarização” das escolas, ou algo parecido.
A reserva, no entanto, durou pouco.
O sistema, que ainda demorou algum tempo a montar, ficou dependente de uma estrutura designada por Gabinete de Segurança (no Ministério da Educação), dirigida por um militar com experiência de comando de forças policiais em Macau, o major Jorge Parracho. Falei com ele algumas vezes e acompanhei, como jornalista, o desenvolvimento desta rede de segurança. Nas escolas ninguém se queixou do seu funcionamento, os homens do major Parracho portaram-se a preceito, os sindicatos (o que não deixa de ser significativo) quase não se pronunciaram e, tanto quanto me lembro, o maior problema relacionado com o Gabinete de Segurança parece ter sido o de uma aluna que engravidou de um dos seus homens, informação que, aliás, nem foi pública..
Depois da saída de João de Deus Pinheiro e de Simões Alberto, o Gabinete de Segurança continuou a funcionar e viu, em geral, as suas competências reforçadas. Os ministros seguintes, Roberto Carneiro, Couto dos Santos e Manuela Ferreira Leite (Diamantino Durão nem deve ter reparado...) apoiaram o Gabinete de Segurança. 
As coisas mudaram com o primeiro governo de António Guterres. No Ministério da Educação não houve interesse em manter a estrutura existente e da decisão final não deve ter estado afastado o preconceito político. Quais “militares de Abril”, qual carapuça! 
Por outro lado, no Ministério da Administração Interna procuravam-se desesperadamente “números” de carácter mediático que afastassem as atenções do conflito dos polícias com o pequeno ministro local. O Programa Escola Segura nasce aqui, filho também da apetência do ministro da propaganda da época, Jorge Coelho, por esses “números”.
A entrega de muitas dezenas de carros com o letreiro “Escola Segura” à PSP e à GNR deu à coisa uma visibilidade pública que, no entanto, não parece ter-se reflectido em ambientes escolares realmente mais seguros. Com a frota, então luzidia, perdia-se o efeito de surpresa dos civis do Gabinete de Segurança e ganhava-se uma visibilidade que era, no entanto, impossível de manter das 8 às 19 horas. A utilização frequente dos pequenos utilitários da “Escola Segura” em todas as atividades de rotina das autoridades, de então para cá, só mostra que o “programa” não passava de uma boa ideia sem resultados realmente assinaláveis.
Aliás, que se saiba, nem a acção do Gabinete de Segurança nem o Programa Escola Segura foram objecto de qualquer avaliação. As escolas mereciam mais do que esta desatenção. E a opinião pública?


Escritor e tradutor
http://pedrogarciarosado.blogspot.pt

Comentários

Mensagens populares deste blogue

O porco com asas

Maria José Morgado. As coincidências no Expresso de 13 de Agosto.

Os patos na Justiça