“O Declínio dos Direitos Humanos em Portugal”

 Parecia, após o 25 de Abril de 1974, que os direitos humanos eram algo de adquirido e definitivo em Portugal. Aliás, a Constituição portuguesa de 1976 é generosa na sua promoção e garantia.
No entanto, paulatinamente de início, e agora de uma forma acelerada, os direitos humanos e as suas garantias estão-se a degradar em Portugal. 
Vejamos alguns exemplos:
i) Portugal é o segundo país da Europa Ocidental com a maior taxa de população prisional, só abaixo do Reino Unido (Institute for Criminal Policy Research, 2016) . Tal só demonstra que o direito fundamental à liberdade está em degradação, uma vez que simultaneamente o país tem baixos índices de criminalidade, e que estão a descer  (Relatório de Segurança Interna,2014 ).
Ora se os prisioneiros aumentam, se as prisões estão mais cheias, enquanto a criminalidade é mais baixa que noutros países da Europa Ocidental (que têm menos presos), isso só quer dizer que a liberdade está a ser maltratada em Portugal. Não se trata de uma relação causa-efeito em que a população prisional aumenta e o crime diminui, é precisamente o oposto, o crime diminui e a população prisional aumenta… Há um problema claro de excesso de aprisionamento em Portugal, logo de desrespeito pelo direito à liberdade.
ii) Com referência a 2013, o Comité contra a Tortura da ONU anotou situações de maus tratos e de uso excessivo da força, além de sobrelotação das cadeias e condições prisionais deploráveis, particularmente nos estabelecimentos prisionais de Santa Cruz do Bispo e Estabelecimento Prisional de Lisboa. Ora isto implica que a dignidade humana dos cidadãos presos não está a ser respeitada . 
iii) O Departamento de Estado norte-americano, no seu relatório anual de 2014 , referente aos direitos humanos em relação a Portugal, salienta a existência de problemas nas áreas de uso excessivo da força pelas polícias, condições das prisões, violência contra mulheres e crianças, e também problemas relativamente à celeridade dos julgamentos criminais e da prisão preventiva.
iv) Acresce a tudo isto que aqueles que garantem por excelência os Direitos Humanos: os juízes-também foram objecto de um relatório pouco abonatório recentemente. De facto, o GRECO, organismo do Conselho da Europa em relatório publicitado em 2016 , informa que em 2012, 45% dos portugueses consideravam que as decisões dos tribunais não eram independentes do poder económico e 42% considerava haver influência política nas decisões. Sendo esta uma mera percepção, não deixa de ser significativa. E o relatório alerta que a coabitação entre juízes e procuradores, que acontece permanentemente pode criar a percepção  que os juízes são “vulneráveis” e podem ser “influenciados”. O GRECO defende que a “justiça não tem apenas que ser feita, mas tem que ser vista a ser feita” e lembra a importância da “separação e da balança de poderes” para “um julgamento justo”, salientando a esse propósito que existem quebras nas regras de independência da magistratura judicial na forma como o Conselho da Magistratura é composto e também que existe uma séria lacuna na avaliação e nomeação dos juízes dos tribunais superiores, podendo haver suspeitas de politização. Aliás, o relatório do GRECO começa por repetir o relatório da ONU sobre o tema , indo mais longe.
A questão é esta: há uma percepção e estão criadas condições para a politização e falta de independência dos juízes. E tal implica necessariamente uma degradação na protecção dos direitos humanos.
Em rigor existem pontos concretos relativamente aos juízes portugueses, que colocam em causa a sua função soberana. Em primeiro lugar, temos a percepção pública negativa. Já se sabe que a justiça para ter credibilidade tem que ter o respeito da sociedade, é o velho dito do juiz britânico Lord Hewart “"Not only must Justice be done; it must also be seen to be done ." Depois, concretamente, as análises internacionais consideram duvidosa a relação institucional e formal existente entre juízes e Ministério Público, que cria uma aparência de cumplicidade entre estas magistraturas; julgam perigosa em termos de politização a actual composição do Conselho Superior da Magistratura, que coloca o poder político a controlar as carreiras e a disciplina dos juízes; anotam como politizável a nomeação de juízes para os tribunais superiores e deficiente a sua avaliação. Isto é, os juízes dos tribunais superiores são considerados vulneráveis.
v) Dentro da problemática da efectiva garantia dos Direitos Humanos em Portugal e o papel atento e activo que os tribunais deveriam ter, possui relevo o recente caso julgado no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos- AFFAIRE SOARES DE MELO c. PORTUGAL  que é devastador para a atitude dos tribunais portugueses em termos de defesa material dos Direitos Humanos. Observa o tribunal europeu que” pour motiver leurs décisions, les juridictions internes se sont essentiellement fondées sur les rapports de la CPCJP et de l’ECJ qui avaient accompagné la requérante au cours des années antérieures. Elle note qu’aucune évaluation psychologique par un expert indépendant n’a été ordonnée pour évaluer la maturité et les capacités éducatives et pédagogiques de la requérante (Saviny, précité, § 58) et qu’une expertise psychologique des enfants n’a pas non plus été jugée nécessaire alors qu’il apparaît que les filles aînées de la requérante assuraient un rôle éducatif crucial auprès de leurs cadets, au point de constituer pour eux des personnes de référence. Elle constate que la cour d’appel de Lisbonne n’a pas non plus tenu compte des éléments que la requérante a présentés à l’appui de son recours pour montrer qu’elle avait cherché des solutions à ses problèmes après s’être vu retirer ses enfants (paragraphe 41 ci-dessus). La Cour constate également que, lors du réexamen de l’affaire en date du 27 mars 2014, le comité de trois juges de la cour d’appel de Lisbonne a confirmé mot à mot la décision précédente du juge unique par le procédé du copier-coller, ce qui ne constitue pas un réexamen effectif de la situation (paragraphe 42 ci-dessus). (sublinhado meu) » Facilmente, se percebe que esta decisão é assutadora quanto ao modo de funcionamento dos tribunais portgueses, que são apresentados como não tendo em conta, nem procurando perícias e opiniões independentes, e tomando as suas decisões através de meras cópias informáticas. Não existe um verdadeiro contraditório material. Esta é uma questão cultural e jurídica muito grave.
vi) O acima mencionado relatório da ONU elaborado por Gabriela Knaul refere o aumento dos custos de acesso à justiça como uma das preocupações mais graves em Portugal. Neste contexto, sublinhou a importância dos programas de assistência judiciária, que são essenciais para muitos ser capaz de reivindicarem os seus direitos, especialmente quando a pobreza está a aumentar no país. Realça o relatório que existe apoio judiciário em Portugal, mas muitos não se qualificam para recebê-lo devido às exigências restritivas. Além disso, a fragmentação das responsabilidades na prestação de assistência jurídica pode levar a atrasos excessivos na obtenção de tal apoio.

Conclusão
Todos os recentes relatórios que versam a matéria de Direitos Humanos em Portugal anotam o decréscimo do respeito destes, referindo uma acentuada degradação no seu cumprimento, especialmente em áreas como:
1- O aumento desproporcionado da população prisional;
2- A deficiente condição das prisões;
3- A utilização habitual de força excessiva por parte das polícias e forças de segurança em geral;
4- A inexistência de celeridade da justiça e o excesso de prisão preventiva;
5- A violência contra mulheres e crianças;
6- O perigo acentuado de politização da magistratura judicial, e a perda de garantias de imparcialidade e independência;
7- A falta de segurança no papel dos tribunais portugueses na garantia dos Direitos Humanos;
8- A dificuldade no acesso à justiça.
Referem-se com detalhe todos os relatórios para não se julgar que este alerta é um mero exercício leviano. Há de facto uma queda acentuada na protecção dos Direitos Humanos em Portugal. Não é que exista já um problema transversal de extrema gravidade, há contudo um decréscimo acentuado da protecção e das garantias dos direitos humanos, e algumas populações, como a prisional e as minorias/excluídas socialmente encontram-se já expostas a flagrantes violações de direitos. Acresce um problema de confortabilidade com a independência e imparcialidade da magistratura judicial que resulta sobretudo dos arranjos formais e institucionais que têm vindo a ser tomados.
Finalmente, há um problema grave no acesso à justiça.

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