Os negacionistas da realidade (eu)

Acredito que o Holocausto aconteceu. Não ponho em dúvida o sofrimento do povo judeu e a selvajaria alemã. Acredito que o 9/11 foi o resultado da acção de um grupo de terroristas comandados por Bin-Laden, e não uma conspiração da CIA. De um modo geral, a minha crença na realidade é a semelhante ao "reasonable man" do direito inglês. 
Por isso, sinto-me à vontade para dizer que não acredito absolutamente nada nas "boas notícias" que supostamente aparecem sobre a economia portuguesa. Não quero com isto dizer que se estejam a falsear estatísticas ou números, mas apenas que esses números, à partida, não representam aquilo que está a ser assumido: que a economia portuguesa está numa rota ascendente e que tudo começa a caminhar para o melhor dos mundos, sendo apenas a dúvida se os "louros" se devem às fundações estabelecidas por Passos Coelho ou à magnífica gestão macroeconómica de Costa e Centeno.
O que estamos a assistir são blips, semelhantes àquelas molas que são tão pressionadas, que depois saltam com uns palhacinhos a dizer adeus. Contudo, a economia estagnou em termos de desemprego, e a dívida pública aumenta [coloca-se logo uma dúvida: numa época de juros baixos porque razão a dívida aumenta quando se diz que o déficit baixa? Alguém deve saber explicar]. Não se nota maior produtividade ou maior competição nas empresas.
A única coisa positiva ( e será importante se assim acontecer) é que se os "animal spirits" privados entusiasmarem e começarem a investir e consumir e aí o blip pode-se tornar numa realidade sustentada. Mas até isso acontecer, andamos longe de alguma recuperação.
Façamos um pouco a história dos últimos anos para se perceber.
Em 2011, Passos Coelho percebeu ( e bem) que só aplicando a política restritiva alemã, poderia salvar Portugal do abismo. Assim, entrou pela austeridade, política necessária para começar a debelar uma crise financeira, mas insuficiente para garantir o final dessa crise e a recuperação. Os alemães ficaram contentes com a nossa actuação austeritária e permitiram que o Banco Central Europeu nos financiasse através do Quantitative Easing que realiza. 
Nestes termos, houve uma espécie de trade-off político entre Portugal e a Alemanha. Nós aplicamos austeridade a fundo, eles deixam o BCE sustentar-nos.
No princípio, esta política foi dura, mas paulatinamente os efeitos dos "helicópteros com dinheiro" do BCE foram-se começando a notar.
Entra Costa. E numa primeira fase, começa dançar o discurso grego de Varoufakis. Rapidamente, os alemães o põem em sentido, e ele, pragmático percebe que não adianta sair do script. Portanto, faz como Marcelo Caetano, põe o pisca para a esquerda e vira à direita, não sem antes ir dando umas prebendas à esquerda, sobretudo em termos de bandeiras sociais (gays), políticas (reversões) e de respeitabilidade (nomeação de Francisco Loução para muitos cargos engravatados).
Obviamente, que o quadro em que Costa se mexe é o mesmo de Passos Coelho, e este não é decidido por nenhum dos dois, mas pela Alemanha. Também é evidente que em termos de gestão política, Costa utiliza o pouco dinheiro que tem disponível de outra maneira face a Passos Coelho. 
Em suma, cada vez menos os políticos eleitos nas nações decidem sobre os rumos a tomar. Mas naquilo que decidem, as decisões de Costa são diferentes das de Passos Coelho. É ridículo dizer que não são. Um favorece a função pública e os grupos de interesse. Outro via como sua função restringir a função pública e desmantelar os interesses instalados. Tinham perspectivas bem diferentes. E pena é se agora ambos vêm dizer que são o "pai da criança- o crescimento económico em Portugal. Porque na realidade, este não existe. Não tem base. 
Em pouco tempo começará a choraminguice, e então teremos, novamente, de equacionar a saída do Euro, a redução do papel do Estado, a diminuição do poder negocial dos sindicatos da função pública, o desmantelamento das oligarquias privadas, o aumento da produtividade, o abaixamento dos impostos. Tudo o que não foi feito e agora se adia.

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