Portugal está um país perigoso

Olha-se para o que se passa à nossa volta e uma sensação shakespereana (passe a expressão) toma conta de nós: "Something is rotten in the state of Denmark.", dizia Marcellus na peça do autor inglês. Pois, a mesma podridão perpassa o Estado português e as suas instituições. Uma podridão lenta, nefanda, que se insinua sem se dar conta, mas está lá, no centro do poder, de todos os poderes.
Portugal é um país pacífico, a criminalidade corrente é diminuta (embora as prisões estejam cheias!). A criminalidade portuguesa é a alta criminalidade e encontra-se praticamente localizada entre o Terreiro do Paço e a Avenida da Liberdade.
Contudo, a questão não é de mera criminalidade. É mais ampla: é de perda de sentido de Estado, desagregação da comunidade política.
Vejamos vários exemplos. Por razões ainda não publicadas (na hora a que escrevo) o Supremo Tribunal declarou que o Juiz Rui Rangel estava impedido de julgar o caso de Sócrates por não ser imparcial. Esta declaração não é um mero tecnicismo. Rangel foi juiz no passado relativamente a vários processos que envolveram Sócrates, Angola ou outros temas mediáticos. Quer isto dizer que as pessoas que passaram pelas suas mãos podem suspeitar (como algumas suspeitaram desde sempre) que não tiveram um tratamento justo, que ficaram na prisão, porque Rangel era amigo de Sócrates e/ou dos Angolanos (parece que destes últimos será avençado!!!). Que confiança se pode ter numa justiça que deixa andar homens destes por aí? Que só actua na 25.ª hora, quando a sua intervenção (de Rangel) poderia "matar" o processo Sócrates. Mas aqui, o argumento também funciona ao contrário. Sócrates pode-se queixar que retiraram do processo o único juiz que decidiu a favor dele, e por isso sentir-se discriminado. 
Uma coisa é certa, esta história de Rangel é uma vergonha para a justiça e o próprio há muito e muito tempo deveria ter sido afastado. Mas os órgãos de direito não quiseram, como é habitual, fazer nada. Apenas com a casa a arder actuam. A juntarmos a este caso, o caso de Orlando Figueira, o (in) feliz procurador que se viu metido no meio das lutas pelo poder em Angola, ou do inspector da PJ preso por desviar parte dos bens apreendidos numa busca, verificamos que pouca confiança se pode ter nas instituições judiciais e judiciárias. Apenas uma reforma de alto a baixo assente na entrada de cidadãos (e não profissionais de carreira) para as magistraturas poderá inverter este estado.
Noutra área, a mesma perplexidade surge. O Banco de Portugal. Por razões estranhas,mas possivelmente ligadas a resquícios ( ou mais que resquícios) do poder e influência de Ricardo Salgado, e também a uma ofensa pessoal de Mário Centeno (antigo subordinado) há uma perseguição constante e diária ao Governador do Banco de Portugal, Carlos Costa. É suposto o BP ser uma entidade independente, apenas relacionada com o BCE, mas os ataques são diários. O cerco permanente. Mais uma vez tem que se colocar a questão: como confiar em instituições, se tudo se torna humano, demasiado humano, e se vê que a independência institucional não é respeitada?
O BE é o ponta-de-lança de tal ataque. Porquê? Para quê? Não consigo ver uma boa razão. A não ser que os seus dirigentes (o que não acredito) tivessem alguma bolsa de estudo do BES?
Quanto a Mário Centeno...Centeno tem um profundo desrespeito pelo Estado de Direito. Resolve todas as contrariedades com uma canetada. Domingues da CGD fez exigências ilegais. Muda-se a lei. A lei não permite afastar Carlos Costa do Banco de Portugal, muda-se a lei e afasta-se o Banco de Portugal de Carlos Costa. A lei é apenas, para Centeno, uma maçada que se resolve escrevendo outra lei. O problema é que esta atitude acaba por ser reveladora de uma desconsideração geral pelas normas e de uma metódica assente na adequação das normas à vontade ministerial e não da vontade ministerial às normas. Daí que não haja especial confiança nos números apresentados por Centeno. A questão que se coloca é se o mesmo à vontade que tem com as leis, também se aplica aos números?
Outro problema está nas relações de Portugal com Angola e no apoio que o Estado Português tem dado ao branqueamento de capitais angolanos. O Departamento de Estado norte-americano é clarinho ao escrever:"Portugal funciona como uma placa giratória (hub) para a lavagem de dinheiro ilícito por parte da classe dirigente angolana.”Nem mais, nem menos. E o Estado Português perante isto? Estende passadeiras vermelhas aos criminosos que aqui lavam o dinheiro.
A cereja em cima do bolo é a operação Marquês, que de certa forma tem passado despercebida. A acusação que se desenha é que Portugal durante vários anos foi governado por uma camarilha de criminosos que usou o poder para seu proveito próprio e para enriquecer. Isto debaixo da vigilância do PGR Pinto Monteiro e da Directora do DCIAP Cândida Almeida. A confirmar-se a acusação do MP, estas pessoas, Pinto Monteiro e Cândida Almeida, deviam ser responsabilizadas, no mínimo, pela sua negligência. A haver comissões de inquérito na Assembleia da República devia ser à actuação destas duas pessoas que permitiram que um gang criminal se apoderasse do Governo de Portugal e do seu sistema financeiro.
A que aconteceu (e acontece) com Sócrates, Salgado e Angola, a corrupção e negligência das autoridades judiciárias e todos estes acontecimentos revelam um país podre, com instituições pouco credíveis e sem força. Por isso, Portugal tornou-se um país perigoso.

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