O fim do jornalismo português (6)

Há alguns meses ficou a saber-se que havia políticos a viajarem (e presume-se que não só) a viajar à conta de empresas. Há alguns meses também, o “Expresso” anunciou que havia muita gente (da política, do jornalismo, das empresas…) a receber algo que se parecia com avenças de valor irregular por parte do Grupo Espirito Santo.
Apareceram alguns nomes citados. Mas nenhum deles era jornalista.
E, no entanto, sabe-se (e houve uma fotografia tirada na neve, com esquis, que circulou pelas redes sociais) que os jornalistas nunca deixaram de viajar por conta das empresas.
Carros, vinhos, operações empresariais e governamentais no estrangeiro, conferências de imprensa, lançamento de filmes (e até já de séries de televisão), as vacinas contra a gripe são, por exemplo, algumas das situações em que, para garantir a presença (obviamente amável) da imprensa, as empresas e/ou as agências de comunicação oferecem viagem, estadia, refeições e até “gadgets”. Poderá considerar-se, nestes casos e noutros, que há mesmo um propósito jornalístico na aceitação do convite e é por isso que em vários jornais se publica também a indicação de que o jornalista viajou “a convite”.
Todos ficam a ganhar: uma coisa destas é sempre mais animada do que estar a fazer notícias na redação, a empresa garante notícias que não obteria com “press releases” e o jornal ou a televisão poupam nos custos – já não são eles que pagam a viagem.
É possível que esta prática tenha estado na origem do silenciamento do caso das viagens dos deputados, e dos vereadores e dos membros do Governo, com futebol em vez de passeios ao estrangeiro: com telhados de vidro, é melhor não atirar pedras para o ar.
E o resto? Uma operação de um grupo bancário no estrangeiro, uma apresentação a investidores, a divulgação de um relatório e contas… podem ser mais do que uma notícia e mais uma celebração ou um momento de convívio.
E isso já se torna mais complexo. E justifica, por exemplo, o bloco de chumbo que envolveu a tal revelação da lista de pagamentos regulares do Grupo Espírito Santo no “Expresso”.
Um dos grandes males do jornalismo português é a sua falta de transparência. Porque esta opacidade esbate responsabilidades e motivações: esta má notícia saiu por ser mesmo notícia ou porque é má para o seu visado que até poder ser, ou ter sido, um rival em qualquer coisa?
O jornalismo deve ser transparente (com a reserva do que a lei e o bom senso protegem). Não o sendo, onde está a credibilidade de tudo aquilo que todos os dias põe cá fora? E quem é que quer comprar o que pensa que talvez possa ser uma mentira?
Pedro Garcia Rosado

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